Tem dias. Uns mais que outros. Nem sempre me recordo quando devia. Ou pelo menos assim o penso. Talvez haja alturas certas para nos lembrarmos de alguém. Ou não. Também é indiferente. Sei que te sentas ao meu lado nos momentos mais disparatados, me olhas com um sorriso manchado de riso a querer soltar-se ou simplesmente me brilhas atrás de tudo aquilo que avisto. Assim me surges. Fantasma ou aparição.

…Já não me apetece ouvir comentadores políticos, nem me apetece saber se vai haver mais desemprego. Não me interessa se uns dizem que o leite de vaca faz mal e se outros agoiram epidemias universais. Não me apetece ver mais gráficos nem pensar no défice nacional. Há coisas que com a velhice me vão desinteressando deixando pegadas escassas na mente, sob a agonia da saturação. Não me apetece cravar os olhos na televisão quando ela apenas finge dar-me companhia para que eu fique preso a anúncios. Nem me apetece olhar para a direita quando atravesso a estrada, depois de me cansar a olhar para a esquerda. É verdade… Há coisas que são um desperdício nas minhas mãos e as minhas mãos demasiado para fazer outras. Ando desconsolado. Aceito. Nem sei que fazer com este tédio que me consome os minutos com erva daninha povoando jardins celestiais.

E nem sei porque te digo isto. Afinal, falava-te dos dias em que te vejo ao meu lado e dos dias em que nem sequer me ocorres, mas te sei. Pego num livro, mastigo passos, acendo-me no banco do jardim e tento perdoar a visão difusa da tua imagem. Mas meus olhos andam reformados do tempo e eu tenho dias em que nem quero lembrar-me de ti, tão bela e tão jovem. Só quero tentar esquecer o tédio e ele, afinal, senta-se comigo, mais companheiro do que o teu fantasma.