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“Revolução” de Hugo Gonçalves

Hugo Gonçalves é escritor e jornalista, autor de vários romances de sucesso, entre eles; “Deus Pátria família (2021)”, semifinalista do prémio oceanos; O filho da mãe (2019)” finalista dos prémios Fernando Namora e do Prémio Pen Club. Hugo Gonçalves é, também, guionista das séries televisivas ”Até que a vida nos separe” e “Rabo de Peixe”.

“Revolução” é o seu último romance com a chancela da Companhia das Letras, 2023.

(…) “Nos últimos anos, Maria Luísa passara fome, sede, frio, sono, fadiga extrema, dormira ao relento, caminhara centenas de quilómetros, cortara todo o contacto com a família, abdicara da sua identidade ao ponto de quase esquecer quem era.”

“Revolução” é um livro intenso com uma narrativa fluída que nos agarra do princípio ao fim, poderia ser classificado como um romance histórico por contar um período marcante da história de Portugal, os acontecimentos do antes, durante e depois do 25 de abril, no ano de 1974. Todavia, a narrativa relata a vida de uma família que viveu antes e depois dos acontecimentos e se transformou do mesmo modo que o país. Ao longo do livro os registos literários e de língua vão-se alternando em vários tons de linguagem, acompanhando os personagens e os meios sociais e culturais em que estes se movem. Neste sentido apercebermo-nos um encadeamento de situações ora dramáticas ora cómicas, num género algumas vezes profundamente poético outras de prosa descritiva dos acontecimentos. onde os registos de linguagem se alternam entre a linguagem coloquial, familiar e a gíria. 

Hugo Gonçalves apoiado por uma pesquisa aprofundada sobre os acontecimentos que transformaram completamente a paisagem política, social e humana no ano de 1974, constrói uma narrativa rica em registos de um tempo que ficará na memoria de todos. A memória e preservação dela é o tema transversal ao longo do romance. As primeiras e as últimas páginas do romance falam-nos desse aspeto de lembrança e esquecimento, com a personagem Maria Antónia, envelhecida e com a doença de Alzheimer, a ter vislumbres dos acontecimentos que mais marcaram a sua vida, sobretudo aqueles que mais transformaram profundamente os dias da sua vida.  Hugo Gonçalves a querer transmitir ao leitor que chegados aos dias de hoje o país também vive com sintomas de Alzheimer em relação as questões essenciais da sua história. Que de tempos a tempos a lembrança desses acontecimentos surge, comemora-se, mas logo de seguida se esquece. 

Revolução conta a história de uma família, a família Storm, como todas as famílias com as suas fragilidades e as suas forças, os momentos de ternura e cumplicidade e os momentos de total desacordo e distanciamento. Para além das questões políticas, sociais e ideológicas com que cada personagem se veste e evoluiu ao longo do romance, saliento o cuidado do autor em trazer para a narrativa a questão das mulheres. Desde Maria Antónia, a matriarca, uma mulher que sai das classes mais baixas, mãe solteira e que vence na vida à custa do seu esforço e de muitas renuncias; a Maria Luísa, a transgressora, militante, a jovem mulher que deixa o conforto da família e da casa para lutar pelos valores e ideais em que acredita; a Pureza. menina/mulher recata, obediente, um pouco apagada e que vive quase sempre na sombra da mãe e mais tarde do marido. Com a revolução e libertação de alguns preconceitos, também ela se revela e procura um novo sentido para vida; até à filha de Maria Luísa, Nádia, uma mulher completamente contemporânea que assume a sua opção sexual, sem medos nem preconceitos.  Todas estas mulheres representam de alguma forma as dificuldades e as conquistas das mulheres num país profundamente patriarcal. Interessante de observar a descrição psicológica dos homens, neste romance, ora violentos, ambiciosos, ora sujeitos a adições que os fragilizam em relação à força das mulheres. 

Revolução é um romance sobre uma determinada época de um país, sobre as transformações profundas desse país, contudo, é um romance que nos remete à reflexão sobre as convulsões existenciais dos homens, a ambivalência das suas escolhas, da violência e da ternura dentro das famílias, dos silêncios e das perdas. Do desampara e da esperança. Da memória e do esquecimento. Da importância da liberdade dos homens e da necessidade de saber preservá-la. 

São Gonçalves

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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