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O “Cofre de Portugal” em Lille

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O “Cofre de Portugal” é uma relíquia com um valor extraordinário. Ele foi oferecido à Câmara de Lille em 1920 pelo governo de então, por impulso do Secretário de Estado da Defesa, que tinha sido ele próprio um militar integrado no Corpo Expedicionário Português, que participou na Primeira Grande Guerra e teve na batalha de La Lys um dos seus momentos trágicos, em 9 de abril de 1918.

O “Cofre de Portugal” tem uma mitologia muito própria, por ter sido aberto apenas três vezes em mais de 100 anos e guardar um segredo, que na realidade deveria ser conhecido de todos. O segredo não é mais que a generosidade e reconhecimento pelo apoio com comida, água e compaixão que os habitantes da cidade de Lille ofereceram aos soldados portugueses que foram feitos prisioneiros pelos alemães, forçados a andar pela cidade famintos, esgotados pela guerra e pela vida nas trincheiras.

Os portugueses foram lutar para a Flandres Francesa pela liberdade, pela soberania das nações, contra a opressão dos invasores, derramando o seu sangue nos campos de batalha, ao lado de soldados de tantos outros países e os cidadãos de Lille retribuíram da maneira que podiam, procurando ajudar com a sua generosidade, mesmo desafiando a autoridade dos guardas alemães. Por isso, no “Cofre de Portugal” está encerrada a amizade, o afeto, a humanidade e o sentimento de gratidão que ficou depois da guerra. Está toda a história de Portugal, numa brochura ricamente ilustrada e a alma do povo português. É um monumento às relações indestrutíveis entre Portugal e a França, a par do cemitério militar português de Richeburgo e do monumento aos mortos portugueses em La Couture, ou em Bologne-sur-Mer ou em Ambleteuse.

Sobe-se a escadaria da mairie e chocamos de frente com uma mesa onde está o “Cofre” protegido por uma caixa em vidro, como uma grande preciosidade que realmente é. De todas as ofertas que a câmara recebeu, é o “Cofre” que está em maior destaque, lindíssimo, coberto com uma estrutura nas partes laterais de filigrana minhota de grande delicadeza, com caravelas, cruzes portuguesas e corações de Viana como fechadura. Lá dentro a bandeira de Portugal bordada a ouro e as insígnias da Ordem de Torre e Espada atribuída por Portugal à cidade de Lille, cuja reprodução aumentada está pendurada no brasão da cidade, numa das salas no piso térreo.

O “Cofre” só foi aberto três vezes. A primeira, em 1976 para o então primeiro-Ministro Mário Soares, no tempo de Pierre Mauroy, na altura maire de Lille e mais tarde primeiro-ministro francês; a segunda vez foi em 2018, por ocasião da celebração do centenário da batalha de La Lys, para o primeiro-ministro António Costa. Na terceira vez que o “Cofre” foi aberto, tive o privilégio e a honra de presenciar esse momento solene e emotivo, por ocasião da celebração dos 105 anos da batalha de La Lys. Esta batalha e a participação do Corpo Expedicionário Português são um elo indestrutível das relações entre Portugal e a França, que deve mobilizar os dois países a divulgar esta história extraordinária das relações humanas, dos horrores da guerra e da apologia da paz.

E é por isso mesmo que na região dos Altos de França, ou Nord-Pas-de-Calais, se nota uma afetividade profunda dos franceses em relação aos portugueses, provavelmente mais do que noutras regiões de França, pelo reconhecimento do seu sacrifício e do sangue que derramaram nos campos de batalha. E é este legado que devemos honrar, procurando aprofundar os laços com quem nos considera e espera de nós os gestos que concretizem esse reconhecimento indelével e recíproco.

Deputado do PS

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