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Espelho meu… onde estou eu?

Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.

José Saramago

Se pudesse falar, com certeza já tinha dito algo como,  “Olhas para mim praticamente todos os dias, mas não me vês. E não me vês porque não te deténs o tempo suficiente para, através de mim, veres para lá do que os teus olhos enxergam.” 

Mas… porque falamos do meu espelho, que de facto só é meu quando o olho, (mais alguém lhe chama, “o meu espelho”), estas coisas ele não diz, e por isso, tenho de ser eu a deduzi-las.

Mora no meu quarto, porque faz parte das portas do guarda vestidos.

Olho para ele quase todos os dias, mas nem sempre o vejo, e quando o vejo, nem sempre me apercebo da sua presença, muito menos da sua importância e o papel que desempenha. Mesmo que por vezes me pareça insignificante o seu papel, de facto ele é bem maior e mais proveitoso do que o valor que lhe dou.

Quantas vezes é nele que me preparo antes de sair de casa, para que depois, já na rua, ou mesmo no local de trabalho, não se percam de risos e gargalhadas porque chego todo arrepiado, ou não notei numa pequena bola de sabão, mesmo em cima da gola da camisola, quando desfiz a barba.

E como poderia ter desfeito a barba, pelo menos com a precisão segura, se não fosse o espelho, mesmo que, neste caso, tenha de utilizar outro, colocado na casa de banho, mas que não deixa de ser um espelho da mesma espécie?

O meu espelho, aquele que faz parte das portas do guarda vestidos, do meu quarto, (mais alguém lhe chama “o meu quarto”) um dia destes fez-me uma revelação que até esse preciso momento jamais havia feito.

Foi no ato de um exercício de meditação, que ao deter-me a olhá-lo mais demoradamente, e com mais atenção, que subitamente notei estar a ser observado. 

Observado por um olhar que vinha de dentro dos meus olhos. Um olhar curioso, como que envergonhado, certamente com medo de se mostrar, de se revelar. 

Caso único. 

Momento único.

Era o meu eu, aquele que mora dentro de mim até ao momento de eu partir para o outro lado, aquele lado que eu não sei, não conheço, não consigo sequer imaginar, mas que, por motivos que não sei explicar, pelo menos com uma lógica razão, algo me diz que ele, sabe bem onde fica, como é, e o que o espera. 

O meu eu que decidiu mostrar-se, mesmo que não em presença física, porque essa a usa como sendo o corpo que ostento, mas com uma forte presença interdimensional, aquela que se encontra presa neste mesmo corpo até chegar a hora de se libertar para continuar o seu caminho, longe daquilo que é humana e materialmente impossível de se entender.

O meu espelho, inerte, estático, silencioso, discreto, revelou-me naquele momento um só corpo e dois seres.

O meu espelho, mostrou-me naquele momento o que eu nunca tinha visto antes, apesar de o ter olhado de frente tantas vezes.

Mostrou-me que o que eu sou, não é o que se vê por fora, mas sim tudo o que há por dentro. 

O meu espelho mostrou-me que o que mais tenho de valioso vem de dentro de mim, e o que vem de dentro de mim, se eu não sou capaz de ver, com toda a certeza mais ninguém o verá.

Antes de se retirar, o meu eu, que me observava quase tímido, talvez inseguro, e que

presenciei ao ver o meu corpo refletido no espelho, transmitiu-me uma mensagem através do meu pensamento. Como que dissesse, 

“Tu aí… esse corpo que ostentas é a minha casa. Vê lá se a cuidas, se a tratas com decência. Se a manténs além de limpa, o mais saudável possível. Esse corpo que ostentas, é o meu templo, por isso, respeita-o.”

É incrível o que podemos descobrir quando nos detemos a olhar as coisas com mais atenção.

Hei de voltar, e perguntar, “Espelho meu… onde estou eu?

Quem sabe o que poderei descobrir acerca de mim mesmo. 

António Magalhães 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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