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A aldeia Maracanã

Nas cercanias do septuagenário Estádio Jornalista Mário Filho, inaugurado no dia 16 de junho de 1950 e conhecido internacionalmente como Estádio do Maracanã, o Templo do Futebol, que está situado no bairro do Maracanã na zona norte do Município do Rio de Janeiro no Estado do Rio de Janeiro/Brasil, observou-se a resistência da Aldeia Maracanã, que no período de 2006 a 2013 reuniu integrantes de diferentes Sociedades Indígenas, dentre as quais, Pataxós, Guajajaras e Tukanos, no prédio construído, em 1862, a mando do Ludwig August Maria Eudes von Sachsen-Coburg und Gotha (1845-1907), o Príncipe de Saxe-Coburgo-Gota e Duque de Saxe. Em 1910, esta edificação tornou-se a sede do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), sob a direção do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), o Marechal Rondon, sendo redenominado, em 1918, somente como Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e, a partir de 1953, transformado no antigo Museu do Índio do Rio de Janeiro, fundado pelo antropólogo, educador, escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997). Em 1967, o SPI foi substituído pela criação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e no ano de 1978, o Museu do Índio teve a sua sede transferida para um prédio na rua das Palmeiras, em Botafogo, na zona sul do Município do Rio.

Em 2013, Lideranças Indígenas do Brasil se uniram para apoiar a construção do Centro de Referência da Cultura Viva dos Povos Indígenas no antigo Museu do Índio. Porém, no mesmo ano, a Resistência Indígena, bem como da sociedade civil organizada e de simpatizantes não foram suficientes para estorvar a remoção da Aldeia Maracanã e a concretização de interesses e ganhos de determinados grupos que se locupletaram, direta e indiretamente, com a organização e realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Dessarte, os Indígenas da Aldeia Maracanã foram assentados, primeiramente, em containers no bairro de Jacarepaguá na zona oeste do mesmo Município, e depois fixados em apartamentos nos 05 andares do bloco 15 nos Conjuntos Habitacionais Zé Kéti e Ismael Silva construídos no terreno do antigo Complexo Penitenciário Frei Caneca implodido, em 2010, no bairro do Estácio na zona norte do Município supracitado. Financiado pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), programa de habitação implementado, em 2009, no Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (1945-), o Lula, este empreendimento conferiu lugar à primeira Aldeia vertical nas referidas condições durante o primeiro mandato (2011 a 2014) da Presidenta Dilma Vana Rousseff (1947-) e no segundo mandato (2011 a 2014) do Governador do Estado do RJ Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho (1963-), o Sérgio Cabral, contrariando as tradições culturais daquelas sociedades indígenas e ferindo o cumprimento de artigos da Lei Número 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio.

Os Governantes abandonaram estes Indígenas, que sobrevivem de modo insular naqueles Conjuntos Habitacionais disputados por narcotraficantes e milicianos, que, por sua vez, praticam regularmente vários tipos de violência e criminalidade. Na realidade, a Aldeia Maracanã e as Sociedades Indígenas no Brasil não são reconhecidas ao menos como deveriam ser pelo Estado e pela Sociedade.

Por outro lado, monumentos e estátuas homenageiam os supostos “descobridores” e desbravadores, em verdade, invasores das terras já habitadas pelos ancestrais destes Indígenas e por outras Sociedades Indígenas, muitas das quais foram escravizadas e/ou dizimadas por genocidas que se perpetuaram como “heróis” na História tanto nos Períodos Pré-colonial e Colonial, quanto no Império e na República. Dentre estes monumentos e estátuas, estão: (a) o Monumento “Descobrimento do Brasil- A Pedro Álvares Cabral, Pedro Vaz Caminha e Frei Henrique do Coimbra” (1900), do escultor e professor mexicano José Maria Oscar Rodolpho Bernardelli y Thierry (1852-1931), o Rodolpho Bernadelli, no Largo da Glória, no bairro da Glória na zona sul do Município do Rio; (b) o Monumento a Pedro Álvares Cabral (1988), projetado pelo arquiteto Agostinho Vidal da Rocha e esculpido pelo artista Luís Marrone, e instalado no Parque do Ibirapuera (1954) no bairro da Vila Mariana na zona sul do Município de São Paulo, capital do Estado de São Paulo; (c) o Monumento às Bandeiras (1953), também no Ibirapuera, mas de autoria do escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret (1894-1955), um dos representantes insignes do Movimento Modernista e (d) a Estátua do Bandeirante Borba Gato (1963) esculpida pelo artista brasileiro Júlio Guerra (1912-2001), que está no distrito de Santo Amaro, na zona centro-sul de São Paulo.

Nesta Res Publica às avessas, a mentalidade etnocêntrica e promotora de discriminações negativas e barbáries prosperou por meio das negações da vida, da dignidade da pessoa humana e da cidadania dos Indígenas, entronizando os algozes como heróis e culpando/responsabilizando as vítimas em um processo de estigmatização, exotização, objetificação (coisificação) e, consequentemente, de desumanização das Sociedades Indígenas.

Enfim, será que realmente somos civilizados?

Charlles da Fonseca Lucas

Sobre o autor: Professor, Sociólogo e Cientista Político. Autor dos livros Vida e Obra de Norbert Elias nos Planos Filosófico e Humanístico: automodelagem, nacionalidade e formação intelectual e Segurança Pública- Onde está a Polícia que Nós queremos?, ambos publicados pela Juruá Editora, em 2014.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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