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As forças elementares que ninguém pode controlar

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Um dos grandes combates que hoje as nossas sociedades têm pela frente, é a luta contra a ascensão da extrema-direita. Onde quer que exista, seja em Portugal, na Europa ou no mundo, porque estes são movimentos que se alimentam mutuamente, mesmo que depois, na prática e na realidade, tenham muitas diferenças e até dificuldades de entendimento, como vemos agora com o caso italiano com os parceiros de coligação Lega e Forza Italia e o partido neofascista de Giorgia Meloni, Frateli d’Italia, herdeiro da ideologia fascista de Mussolini, através do Movimento Social Italiano.

Numa entrevista recente saída no Diário de Notícias, o autor do livro Como Travar o Fascismo, Paul Mason, um jornalista e professor britânico, recorre a uma frase de António Gramsci para explicar como Mussolini chegou ao poder. Diz essa frase, que Mason considera “lindíssima”, que tal aconteceu com o “desencadear de forças elementares que ninguém pode controlar”. É, de facto, uma frase tão expressiva quanto assustadora, se pensarmos que ela descreve a forma como a extrema-direita tem vindo a alastrar nas últimas duas décadas, como uma mancha, um pouco por todo o lado, atingindo níveis muito preocupantes com a governação de Donald Trump, nos Estados Unidos, com o processo do Brexit no Reino Unido, em que o Partido Conservador se deixou capturar por populistas, nacionalistas e mentirosos, com a crescente progressão em França da União Nacional da dinastia dos Le Pen, com os Frateli d’Itália, com o Vox em Espanha, com a AFD na Alemanha, com partidos idênticos nos países nórdicos, com o inenarrável Jair Messias Bolsonaro, no Brasil, entre outros casos. Tudo partidos que merecem o elogio do partido Chega, em Portugal.

O assalto ao Capitólio patrocinado por Donald Trump ou o caos que se instalou no Reino Unido na sequência do Brexit, são retratos muitos esclarecedores sobre o que pode acontecer às nações quando se deixam seduzir por estes cantos do cisne que conduzem a ruturas e instabilidade nas sociedades, desumanização, tensões, perseguições, com base, claro, em mentiras e manipulações da realidade, bem como com o recurso a teorias da conspiração e notícias falsas, produzidas precisamente para instrumentalizar as pessoas e servir o objetivo de assalto ao poder.

As referidas “forças elementares que ninguém pode controlar” são muito bem apresentadas no extraordinário ensaio do historiador britânico Christopher Walker, com o título “Os Sonâmbulos”, que descreve como na Europa, em vários pontos geográficos, particularmente no âmbito do império Austro-Húngaro, as forças nacionalistas foram ganhando terreno, conspirando na sombra, enquanto as nações iam fazendo o seu business as usual, alimentando essas forças obscuras e subterrâneas sem perceber as consequências disso, desvalorizando focos de tensão, acontecimentos e situações políticas, económicas e sociais, que acabaram por culminar com a eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Os tempos de hoje, ainda para mais com a invasão russa da Ucrânia e a recomposição das alianças em termos globais, com a incerteza económica e a inflação, com a chantagem energética e alimentar russa, com as tensões que isso tem gerado um pouco por todo o lado, evoca precisamente essas “forças elementares que ninguém pode controlar”, que os movimentos de extrema-direita vão corporizando. Quando as sociedades entram em crise e as pessoas ficam confusas e inseguras, por fatores internos e externos que não controlam, a tentação dos povos para se virarem para os extremismos cresce, pensando que assim vão resolver os problemas. O preço a médio e longo prazo, porém, pode ser elevadíssimo, com a degradação das liberdades e da democracia e até com o surgimento de guerras.

E a Rússia, uma ditadura nacionalista em violação permanente dos direitos humanos e da lei internacional, não se tem cansado de fazer tudo para minar os fundamentos das nossas sociedades livres, democráticas e assentes nos valores do humanismo, inclusivamente sonhando com a implosão da União Europeia, financiando para isso os partidos de extrema-direita um pouco por toda a Europa. É totalmente incompreensível, por isso, que continue a haver quem adira a esses partidos, que apostam em pôr em causa os valores humanistas e as instituições democráticas em que assenta o nosso modelo de vida.

É preciso, assim, estar atento e combater essas “forças elementares que ninguém pode controlar”, que andam por aí à solta de forma muito perigosa.

Deputado do PS

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