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Ao Mário Martins

© Rádio Felgueiras

Há sempre uma grande tendência, quando alguém parte para o desconhecido, aqueles que o conheceram, ao manifestarem os seus sentimentos de pesar, utilizarem frases como, “Ficarás eternamente no meu coração,” ou então, “Lembrar-te-ei para sempre.”

Bem, eu sempre perguntei a mim mesmo, quanto tempo terá esse eternamente? Até quando durará esse para sempre?

Será que ao dizermos estas frases, de uma maneira um pouco conscientemente inconsciente, estaremos a consolarmo-nos a nós mesmos, querendo acreditar que apesar de sabermos que nada nem ninguém dura para sempre, de certa maneira seremos eternos?

Ou, não sabendo fazê-lo de outra maneira, expressamos assim a dor e a saudade que aquele que partiu deixou em nós, pelo tempo que por cá ficaremos depois da sua partida?

Seja como for, tudo isto para expressar o meu profundo sentimento de pesar pela partida do saudoso Mário Martins.

Conhecemo-nos na Rádio Felgueiras, já lá vão muitos anos. E a maneira como nos conhecemos foi tão interessante e tão fora do normal, que eu nunca mais esqueci esse, que agora me parece tão longínquo, como se fosse ontem, dia.

Nessa época eu fazia um programa chamado “A Face Oculta da Lua”.

Era um programa de duas horas e, do que a memória de maneira talvez um pouco matreira, me não atraiçoe, consistia mais ou menos nisto: Algumas curiosidades científicas, em que três grossos livros cheios de muita e boa informação acerca de feitos científicos que de uma ou outra maneira influenciaram, e em alguns casos até, mudaram o curso da humanidade, outras curiosidades bem interessantes, de pessoas e factos de quem todos nós já, numa ou outra altura da nossa vida, ouvimos falar, por serem nomes sonantes, mas de quem não sabemos muito o porquê de serem nomes sonantes.

Depois, um desses livros tinha muitas curiosidades relativas ao corpo humano, com algumas dicas bem interessantes, no sentido de, em casa, podermos utilizar essas dicas em problemas que vamos tendo e que podem ser resolvidos sem ter de estar sempre a correr para o posto médico, ou as urgências dos hospitais.

No decorrer dessas duas horas do programa eu selecionava sempre um pequeno texto de um escritor português, e do texto escolhido, fazia um brevíssimo resumo do livro e do escritor em questão. Depois, mais para o final do programa, fazia uma sugestão de livros para quem gostasse de ler, livros esses que não tinham necessariamente de ser exclusivamente de autores portugueses, ou da língua portuguesa.

Tudo isto era sempre muito bem regado com música, música essa que também não tinha de ser necessariamente exclusivamente portuguesa, mas eu tentava sempre ter uma maior percentagem de música portuguesa.

A estratégia, para mim era nessa altura, muito simples.

Textos pequenos mas interessantes, curiosidades que pudessem arrancar um, heeeee… essa eu não sabia, e para que o programa não se tornasse maçudo, a música a espalhar sensações de prazer e bem-estar.

E um dia, estava eu no estúdio a fazer o programa e alguém bateu à porta suavemente, entrando logo de seguida.

Era o Mário Martins. Eu já tinha ouvido falar nele, como sendo o homem do fado, mas nunca tivéramos a oportunidade de nos conhecermos.

Entrou com aquele sorriso largo e ao mesmo tempo meigo, como lhe sempre foi tão característico ao longo dos anos, e apresentou-se dizendo.

“Olá, eu sou o Mário Martins e tenho ouvido o seu programa. Tenho estado muito curioso para conhecer a pessoa que passa no seu programa músicas como Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Fernando Tordo, Sérgio Godinho etc. Não é muito usual alguém fazer uma seleção destas músicas portuguesas. E para lhe ser franco, não esperava que fosse uma pessoa assim tão nova a passar estas músicas, muitas delas consideradas músicas de intervenção.”

Um elogio destes, perdoem-me se puderem a modéstia, já eu tinha ouvido, em relação à literatura quando, com 17 anos de idade fui à livraria do senhor Melo e perguntei ao senhor Castro, (penso que era este o seu nome) pelo livro “A Sagrada Família” de Karl Marx e Frederick Engels. 

A Sagrada Família? Perguntou quase incrédulo o senhor Castro. Que idade tens…?

Mas… é do meu amigo, o saudoso Mário Martins, que falamos.

Foi a partir desse dia que cimentámos a nossa amizade e respeito mútuo.

O Mário Martins era uma pessoa que sabia conversar tão bem como sabia ouvir.

Tinha um sorriso largo, doce e meigo. Era uma pessoa inteligente e dedicada. Amava como ninguém Felgueiras e o seu povo, a sua cultura, e amava a Rádio Felgueiras, à qual dedicou uma boa parte da sua vida. 

Tratava toda a gente com respeito e delicadeza.

Não faço a mínima ideia quanto tempo terá a eternidade, até quando durará o para sempre. Mas sei, que enquanto não chega a minha vez, recordarei o Mário Martins com aquele seu sorriso meigo e caloroso.

“Vim cá de propósito, (à radio Felgueiras) porque tinha curiosidade de conhecer a pessoa que passa no seu programa estas músicas portuguesas que tanto adoro”.

Amigo Mário Martins… o prazer foi todo meu.

Vemo-nos outra vez, lá do outro lado.

Descansa em paz amigo.

António Magalhães

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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