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A rota dos escravos

Chego à embaixada do Benim, para levantar o meu passaporte, e apercebo-me que um casal teve o visto no próprio dia.

Inconformado pelo facto de ter esperado 2 dias, perguntei como tinham conseguido.

Algum dinheiro extra à embaixadora foi a resposta.

Infelizmente, situações deste género verificam-se por todo o mundo, especialmente em África.

Neste continente tão mágico e misterioso, levar a lição estudada é apenas uma passagem efémera, para um antagonismo de ideologias racionais.

Não adianta levar cábulas. A qualquer momento a matéria pode mudar, sem qualquer coerência eminente.

Como viajantes ou turistas, aprendemos muitas vezes que o palco da vida é uma constante improvisação.

O ponto de interrogação está sempre presente, mas é toda esta dubiedade que torna por vezes estas viagens no limiar de uma aventura singular e única.

Existe um paradoxo desmedido e desproporcional entre a bondade dos nativos e das autoridades.

As pessoas são extremamente calorosas, afáveis e de uma pureza inigualável.

Por vezes ingénuas, mas com uma alegria invejável de viver.

Um simples objeto como um balão é o despertar de um sorriso numa criança.

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Um bem tão simples, mas tão precioso para quem não tem nada.

Materialismo é algo que não existe.

Mas, quando se trata de autoridades ou embaixadas, o filme é outro.

A incongruência é o prato do dia.

Numa “ ementa “ alegórica, temos corrupção, corrompimento, aliciação, suborno ou devassidão.

Tudo a um bom preço.

“Sensatez e justiça na ementa? Não há mais. Já acabou.“

Seria mais fácil encontrar uma agulha no palheiro do que alguma justiça por parte das autoridades.

Desilusão ultrapassada, combino uma hora com um espanhol na fronteira e sigo viagem de bicicleta até ao Benim.

São cerca de 56 km.

A viagem é toda feita ao longo da Costa Atlântica, sempre com o mar à vista, e inúmeras palmeiras.

Passo a fronteira para o Benim, e à primeira criança que me diz olá, com um sorriso, ofereço-lhe a bicicleta.

O espanhol já estava há algum tempo à minha espera.

Decidimos apanhar um táxi até Ouidah e fomos até uma praça de taxis.

Toda a gente nos queria levar e gerou-se imediatamente uma confusão.

Algum tempo de espera, e após o carro estar cheio, seguimos finalmente viagem.

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No dia seguinte, decidimos percorrer a rota dos escravos.

Ouidah está ligada à história do comércio negro.

Esta cidade foi um dos principais centros de venda e de embarque de escravos para as Américas, no século XVIII.

Juntavam os escravos num recinto onde eram vendidos, e após negócio feito, estes percorriam algemados alguns quilómetros até chegar à costa.

Ainda hoje em dia se pode ver, ao longo de toda a Costa Atlântica, a “ Porta do Não Retorno”, porta esta, por onde passavam os escravos e nunca mais voltariam à sua terra natal.

Muitos escravos, com medo de serem comidos pelos brancos, atiravam-se ao mar, acabando por morrer afogados.

Nos dias que correm, podemos encontrar imensas influências nas Caraíbas, principalmente no Haiti, que foram levadas pelos escravos. A cultura do vudu foi uma delas.

A razão pela qual algumas crianças começam a chorar ou a berrar quando nos viam na rua, é devido a este epílogo triste e cruel, do comércio de escravos.

Ainda hoje, é incutido aos mais pequenos, que quando virem um branco, vão ser levados ou roubados.

Por várias ocasiões ao longo da viagem, algumas crianças choravam de terror quando se cruzavam connosco.

Após a rota dos escravos, visitámos o templo dos pitões.

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Neste templo, podemos ver dezenas de pitões, que serpenteiam em plena liberdade.

Esta serpente é uma das insígnias do Benim, devido a uma lenda do passado.

No século XVIII, numa guerra entre dois reinos, o rei vencido refugiou-se na floresta, e acabou por ser protegido por pitões, salvando-se.

Tirar fotografias aos mais novos torna-se muitas vezes um processo bastante difícil, ou mesmo impossível, no Benim.

Muitos nativos acreditam que, ao tirarem uma foto, lhes vamos roubar a alma.

Principalmente com os bebés, que são mais frágeis e susceptíveis a deixar o corpo.

Apesar de uma grande parte se deixar fotografar, esta superstição continua bastante presente, entre os mais novos.

Uma criança a quem pedi para tirar uma fotografia, não se recusou, mas tinha somente de tapar a cara, para não lhe roubar a alma.

Pegou no balão que lhe tinha oferecido, tapou o rosto, e deixou-se fotografar.

África é isto. Uma caixinha de surpresas, onde colecionamos momentos, e não coisas.

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