2022 foi bom ano para vinho verde, mas produtores foram mal pagos
A presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV), Dora Simões, disse à Lusa que o aumento de custos no setor, que subiu na produção, “devia ter sido refletido no preço da uva e não foi”.
“A produção dos tintos não foi tão alta como se esperava, o que leva a que depois, também, tenha havido um aumento de 10 milhões de litros no total, ‘versus’ 2021. [A Região] terminou o ano com 95 milhões. No ano anterior tinha sido por volta dos 85 milhões”, disse, em entrevista à Lusa, Dora Simões.
A responsável máxima da CVRVV, que sucedeu a Manuel Pinheiro no final de julho, considerou que “não foi um incremento muito grande, o que é bom porque a região também não tem muitos ‘stocks’ [existências]”.
“É uma região que guarda uns ‘stocks’ relativamente baixos, e permite fazer face às vendas que está a ter, as exportações mantiveram-se, portanto não há excedentes na região”, caracterizou.
Questionada sobre se o contexto de alta inflação vivido em 2022 beneficiou os números da região, Dora Simões considerou que “não beneficiou ninguém”.
“Acho que o preço se manteve estável, o que acontece é que tiveram de absorver o impacto do aumento de preços de custos de produção”, disse à Lusa.
Para Dora Simões, “de alguma forma se encaixou uma série de custos e não houve um incremento que devia ter sido refletido no preço da uva e não foi”, algo que foi “transversal a toda a região”.
“De facto, a uva tem de ser mais valorizada para continuar a absorver os impactos todos da inflação”, asseverou, considerando que é “um esforço enorme absorver isso”, algo que será “difícil se se mantiver a situação” de elevados custos em áreas como “o diesel, do gasóleo agrícola, da mão-de-obra, de energia” e ainda o transporte da uva.
Dora Simões salientou que “todos estes custos adicionais na fase do processo não foram possíveis de acomodar com os aumentos de preço – às vezes modestos – que foram feitos”.
“Se se aumentou 5% um vinho que já de si tem um preço médio barato, não se consegue, com certeza, acomodar os custos”, por exemplo, do vidro, que “tiveram aumentos enormes, a 30% por aumento”.
Dora Simões acredita ainda que “alguns que produzem o vinho não conseguissem pagar mais pela uva, porque eles próprios já estavam a ser vítimas na parte dos componentes de embalagem”.
No geral, o ano de 2022 “foi um ano vitivinícola muito bom” para o Vinho Verde, considerou Dora Simões.
“O Vinho Verde, de facto, apesar da seca e de situações de escaldão, pontuais, não estava a viver a mesma situação que o resto das regiões”, disse, saudando a “uva muito saudável” que cresceu na região.
Segundo a presidente da CVRVV, “havia até um certo espanto e um bem-estar da parte dos produtores, relativamente à produção que estavam a ter e à qualidade da uva que estavam a ter”.
Perspetivando o futuro, Dora Simões crê que para a região dos Vinhos Verdes “tem que ser estratégico não assentar numa única cor de vinho”, considerando que tal fenómeno suceder “é perder pé”.
“É possível, mas não é desejável”, disse, lembrando que a região “tradicionalmente, há décadas atrás, assentava nos tintos, [e] hoje em dia assenta quase estrategicamente nos brancos”.
Falando numa “onda interessante dos brancos”, que tem de “ser aproveitada”, também será necessário “fazer trabalho com os tintos porque a onda dos tintos virá outra vez”.
“Nós temos boas capacidades para o fazer, temos é de estudar as castas, temos de nos aplicar no que diz respeito à Investigação e Desenvolvimento, àquilo que é a passagem desse conhecimento para os agentes económicos”, defendeu.
Questionada sobre se o vinho tinto se tem de libertar da gastronomia local, Dora Simões disse não saber “se é esse que se tem de libertar, ou se se tem que fazer outro”.
“Às vezes há coisas que são muito características da região, que têm aquela tipicidade, e que mais tarde, daqui a 20 anos, pode fazer sentido tê-las”, disse, considerando “uma pena matar as coisas que são locais” e que fomentam o enoturismo.
Dora Simões preconiza ainda uma visão de longo prazo, fazendo “uma autoanálise” ao setor, evitando uma “ser muito adaptativos àquilo que acontece fora, e começar a perder a nossa identidade”
“Estar sempre a olhar para fora é importante e é bom, estar a ver o que está a ser feito, mas depois de tanta observação fora, temos de perceber o que está a ser feito, dentro, para mudar”, observou.
Vincando não estar a tecer comparações com o mandato anterior de Manuel Pinheiro, Dora Simões quer “perceber” quais são as “grandes vantagens” e os “fatores de diferenciação” da região, como as castas autóctones e a paisagem”.
Para tal, a Comissão irá “mover orçamento e atividades para aquilo que venha a ajudar a incrementar o valor da uva e do vinho na região”, apostar na “sustentabilidade” e eficiência de recursos hídricos e energéticos, e uma maior aposta na informatização de processos.
Já o projeto de transformação da sede no Palacete Silva Monteiro, no Porto, num centro cultural mantém-se, pretendendo ser uma atração da cidade mas também “o quilómetro zero” da visita à região.