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Vencer o medo

Quando o soldado surgiu no topo da colina, ofegante e absolutamente exausto, parou por um momento e ficou a olhar a planície que se apresentava mesmo em frente dos seus olhos.

Um rasto de destruição e morte era o cenário deixado por uma batalha sangrenta onde as duas partes eram o inimigo uma da outra. Mesma espécie, mesmo medo, mesma ambição, mesmas alegrias, mesmas tristezas, mesmas angústias e mesmos comprazimentos, mesmo tudo, e mesmo assim batem-se em batalha de uma maneira feroz e desumana, à medida que vão levantando bandeiras de moralismos que justifiquem a hipocrisia da sua inabilidade de viverem juntos e em paz, quando em cada um deles, entre o nascer, viver, e morrer, as aspirações são exatamente as mesmas.

O soldado, carregado com a mochila que transportava às costas, cheia de todo o conteúdo exigido numa guerra, segurando a arma com as duas mãos, aos poucos foi perdendo a nitidez da imagem devastadora que se apresentava à sua frente. Era como se tudo começasse a ficar ofuscado, como quem olha através da janela num dia de inverno e o calor que emana de dentro da casa, em contraste com o frio e a chuva lá fora, embacia a vidraça obscurecendo o cenário que se comtempla.

Eram as lágrimas que lhe invadiam o glóbulo ocular. Esmagou-as com as costas da mão e limpou-as.

Na vasta planície jaziam corpos sem vida, abatidos sem dó nem piedade pelo outro inimigo. Aqui e ali emergiam alguns focos de fumo, como o rescaldo de um incêndio depois de ser combatido.

Do outro lado da planície, algures fora do alcance da vista, esporadicamente ainda se viam como que faíscas das balas que saíam da arma de um ou outro resistente por detrás da linha.

O soldado sabia que era arriscado continuar em frente, mas sabia também que por detrás de si surgiria a qualquer momento um batalhão de soldados inimigos. Tinha que continuar em frente.

Pela primeira vez sentiu o verdadeiro medo atacá-lo na forma de pânico. O coração começou a bater de uma maneira feroz, as mãos a suar, as pernas a tremer, o formigueiro na barriga, a dificuldade de respirar, uma espécie de vertigem na cabeça, a boca seca, e um monte de agulhas provavelmente a saírem das mãos e dos pés, dos braços e das pernas.

Neste momento o soldado está ocupado de mais com o seu ataque de pânico para perceber que a maior parte dos sintomas que lhe tomaram conta do corpo seriam praticamente os mesmos que sentiria se estivesse num estado de excitação proporcional ao medo que agora o atacou, com a única diferença de que é a mente, que mediante o cenário que dos olhos colhe informação, lhe diz que está em perigo. Ótimo, isso é um sinal de alerta para dele se precaver.

Mas o medo não serve os seus propósitos se depois do “alerta”, nos paralisar. Há que agir.

Mesmo assim, o seu natural instinto de sobrevivência, através de um subconsciente que não serve só para moralismos, diz-lhe numa voz que soa como que vindo lá bem do fundo do túnel, que é o momento de agir.

Este era o verdadeiro teste à sua coragem. Até aqui teve forças para continuar uma guerra que não pediu, mas agora que lhe faltavam as forças, só lhe restava a coragem de continuar quando essas forças se fragmentavam.

Fechou os olhos, respirou fundo, e ao mesmo tempo criou no seu pensamento uma imagem de profunda satisfação e alegria ao se imaginar são e salvo do outro lado da linha. Enquanto que gravava essa imagem de esperança no seu pensamento, muito devagar foi soltando a respiração que havia contido dentro de si, esboçou um sorriso, e foi quando a magia começou a acontecer. O medo expeliu-se com a respiração que tinha inalado, o corpo acalmou, o cérebro dizia-lhe,

“Está tudo bem, vai que vais conseguir. Não se vence o medo fugindo dele.”

 

A força não vem da capacidade física. Vem de uma vontade indomável. (Mahatma Gandhi)

 

António Magalhães  

(Diário das Pequenas Reflexões)

 

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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