O início da XVI legislatura na Assembleia da República foi pouco auspicioso e marcou o tom de como vai decorrer. Por quanto tempo não se sabe, porque a minoria de direita liderada pelo PSD sem o Chega é muito frágil, como se viu com a votação atribulada do presidente da Assembleia da República, que teve de se repetir quatro vezes.
O PSD de Luís Montenegro ficou definitivamente amarrado ao seu “Não é Não” quanto a entendimentos com o partido de André Ventura. Já este é tão elástico e tem tão pouca coerência, que tanto pode dizer uma coisa hoje e fazer outra completamente diferente amanhã, como afirmar que nunca mendigaria lugares no governo e agora vermos que já lhe doem os nós dos dedos de andar a bater à porta do PSD, completamente obcecado com a ideia de chegar ao pote, custe o que custar. E se não for como quer, então adota a política de terra queimada, do caos, da guerra sem quartel, como é da sua natureza.
Perante a total inabilidade parlamentar do líder do PSD, foi o PS que criou as condições para que o bloqueio institucional fosse ultrapassado, com sentido da responsabilidade. O país não podia ficar paralisado sem um Parlamento a funcionar, a passar para o exterior um triste espetáculo da democracia.
Mas é preciso recordar o tempo dos acontecimentos. Ventura anuncia um acordo com o PSD, segundo o qual votaria favoravelmente o presidente do Parlamento, o que em momento algum foi desmentido por Luís Montenegro. E por isso era dado como adquirido que o PSD tinha um acordo com o Chega e que a eleição de Aguiar Branco estaria assegurada. Por alguma razão Montenegro não teve sequer a mínima cortesia parlamentar de falar com o líder do PS, revelando falta de prudência e de sentido institucional, ao mesmo tempo que desprotegeu o seu candidato. Acabou por ser o líder do CDS-PP, Nuno Melo, já quase em cima da hora da votação, que disse desconhecer o referido acordo, suscitando uma reação irada de Ventura. Portanto, ou o PSD ou o Chega deram o dito por não dito e a barafunda instalou-se.
A verdade é que, quando surgiram os resultados da primeira votação, todos ficaram surpreendidos, com o voto em branco do Chega no candidato do PSD. O líder parlamentar do PSD teve depois uma intervenção cínica e desajustada, falando numa coligação negativa entre o PS e o Chega, retirando o seu candidato, o que deixou todos de boca aberta. E o PS apresentou Francisco Assis para ultrapassar o impasse. Mas o PSD voltou atrás e apresentou de novo Aguiar-Branco. O resultado foi favorável ao candidato do PS, que ficou com mais dois votos que Aguiar-Branco. E assim se comprovou que o PSD sem o Chega fica isolado no Parlamento numa minoria muito frágil, sem condições para aprovar nada.
Só à quarta votação e depois do PS fazer uma proposta inovadora para ultrapassar o impasse, com uma presidência rotativa de dois anos, é que o candidato do PSD foi eleito. Mas mesmo assim, o PSD deixou um sinal de abertura e generosidade e quiçá de vontade de aproximação, ao aprovar o vice-presidente e os secretários da mesa do Chega, ficando com o ónus de ter rompido uma das derradeiras linhas vermelhas para impedir a sua normalização.
Quanto a Ventura, não deixou de fazer mais uma demostração de grosseria institucional, tratando por tu do púlpito do Parlamento tanto o primeiro-ministro indigitado, Luís Montenegro, como o anterior presidente da Assembleia, Augusto Santos Silva, a segunda figura da nação, perante o espetáculo grotesco de palmas e vozearia da sua bancada, numa euforia de assembleia religiosa.
Para aprovar os orçamentos é que será precisa muita imaginação. Entretanto, o Governo cessante do PS deixa ao PSD uma situação de grande abastança, com um défice muito confortável abaixo dos 100 por cento, o maior excedente orçamental da história, o desemprego em mínimos e empresas como a TAP a dar lucro.
Paulo Pisco