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Colunistas

Tudo o que sabemos é apenas tudo o que pensamos saber

“Só sei que nada sei” (ἕν οἶδα ὅτι οὐδὲν οἶδα), Sócrates (470-399 a.C.)

Há mil anos pensava-se
que as luzes que estrelavam o céu à noite
era quando estava alguém em casa
lá em cima
entenda-se, lá em cima, no céu
na nave celeste, na casa dos Deuses
chamavam-lhe Olimpo, Panteão
Asgaard, Ovo Cósmico, Oceano Primevo
e outros nomes poéticos.
Algumas dessas luzes eram fixas
outras não paravam no lugar
e como viajavam daqui para ali
chamou-se-lhes planetas
que significa viajante em grego.
Hoje sabemos que essas luzes no céu
são estrelas como o nosso sol
e outras são mundos como o nosso.

Há 500 anos pensava-se
que a Terra era plana
mas Eratóstenes 1700 anos antes
já tinha reparado que o sol se refletia
no fundo de um poço em Assuão
à hora exata do Solstício de Verão
Eratóstenes também sabia
que tal não era o caso em Alexandria
então calculou a distância entre as duas cidades
5000 estádios, isto é, 1000 km
mais ou menos
calculou o ângulo da sombra do farol de Alexandria
à hora exata do Solstício de Verão
e percebeu que a diferença
do ângulo dos raios solares nas duas cidades
à mesma hora no mesmo dia do ano
só era possível se a Terra fosse redonda
e se tivesse aproximadamente
250 mil estádios, ou seja,
39.300 km de circunferência
quando hoje sabemos que são
na realidade 40.070 km
uma margem de erro mínima
e isto, sem calculadora ou doutoramento.

Como é que um homem observando
apenas o sol, um poço e um farol
consegue perceber que a Terra é redonda
e tanta gente hoje por aí
mais de 2000 anos depois
com computadores e internets
não entende isso?

A primeira foto que prova
a rotundidade do nosso planeta
só foi feita em 1972
pela tripulação de Apolo 17
antes disso não tínhamos
absolutamente fotografia nenhuma
do nosso mundo desde o espaço exterior
imaginávamos, mas não tínhamos a certeza
do aspecto do nosso planeta
essa primeira selfie da Terra
ficou conhecida como O Berlinde Azul.

Há 500 anos pensávamos que Colombo
tinha descoberto a América
há 30 anos pensávamos que os vikings
tinham descoberto a América
há 20 anos especulou-se que os chineses
tinham feito a primeira circum-navegação
e tinham descoberto a América
há 5 anos especulou-se
que na época dos faraós núbios de Kush
o Egipto foi tão próspero
que esses reis enviaram
os seus navios pelo mundo
fazer a primeira circum-navegação
descobrindo a América e a Austrália
e deixaram como testemunho as cabeças gigantes
dos olmecas no Golfo do México
há 5 anos descobriu-se que os salutreanos
que viviam no sul de França, Espanha
norte de Portugal e até ao Algarve
podem ter chegado à América
seguindo as terras geladas
das costas do Atlântico Norte há 20 mil anos
pois o círculo ártico estendia-se
então até ao norte de França e norte dos EUA
e que, portanto, o Estreito de Bering não foi
com certeza, a única porta de entrada
para colonizar o novo continente.

Há 350 anos pensava-se
que as doenças e pragas eram castigos divinos
até que um comerciante de tecidos holandês
obcecado em examinar os seus estofos e fazendas
com lupas cada vez mais potentes
acabou por inventar o microscópio
e viu o primeiro micróbio ou micro-organismo
– naquele caso era uma bactéria –
dentro de uma gota de água da chuva.

Há 150 anos pensava-se
que a guerra de Troia era um mito
criado por Homero na Odisseia
que é considerada a primeira obra
da literatura e da História, depois da Bíblia
até que um alemão descobriu as ruínas
da cidade junto ao Helesponto na Anatólia
e Troia teve que entrar nos manuais de História.

Aliás, nem a Bíblia nem a Odisseia
são os primeiros textos do mundo
a Odisseia foi redigida em 800 antes de Cristo
a Bíblia começou a ser escrita
mais ou menos na mesma altura
em todo o caso, nunca antes de 1200 a.C.
que foi quando os hebreus se instalaram em Canaã
o Clássico dos Versos é a mais antiga obra chinesa
começou a ser composta por volta de 1100 a.C
os textos sagrados do Popol Vuh maia
datam de 2000 anos a.C.
o Mahabharata na Índia é da mesma altura
e a Epopeia de Gilgamesh escrita em acadiano
em Uruk, no sul do Iraque, também remonta a essa época
e é capaz de ser a primeira obra
literária da Humanidade
ou não
já que Uruk tinha leis redigidas desde 3500 a.C
é aliás ali que se pensa que foi inventada a escrita
e, portanto, nem o livro heroico de Gilgamesh
de onde capítulos inteiros foram copiados para a Bíblia
devem ter sido, tão pouco, a primeira obra
escrita pela Humanidade.

Há 150 anos pensávamos
que os restos de ossos
de animais gigantescos
que se encontrava por aqui e por ali
enterrados e petrificados
pertenciam a dragões do passado
da época dos dragões
da Idade Média ou por aí.
Depois descobriu-se que tinham
entre 230 e 66 milhões de anos
e eram de uma era em que os homens
nem sequer existiam.
Há 50 anos, as representações
de dinossauros nas enciclopédias ilustradas
eram de animais de pele dura e cinzenta
há 20 descobriu-se que alguns
podem ter tido penas coloridas
mesmo se não podiam voar.

Há 150 anos pensávamos
que o Mundo tinha de 6 mil anos de idade
mais coisa, menos coisa
há 60 anos descobriu-se que afinal
é um niquinho mais velho
tem 4,5 mil milhões de anos
com uma margem de erro
de 700 milhões de anos.

Há 150 anos um caçador espanhol descobriu
as primeiras pinturas rupestres
na caverna de Altamira
feitas por Cro-Magnon há 32 mil anos.
Até aí pensava-se que o homem primitivo
não era capaz de criar arte.
Até há 25 anos pensava-se
que a arte parietal paleolítica
era uma arte do interior
que só existia nas grutas
até que uma arqueóloga transmontana
descobriu gravuras rupestres
em Vila Nova de Foz Côa
e os manuais de arqueologia
tiveram que ser revistos.

Há cerca de 100 anos pensava-se
que o Universo era finito
e que as nebulosas no céu noturno
eram nuvens de gás no espaço.
Há cerca de 80 anos descobriu-se
que essas nuvens afinal eram galáxias
como as nossas e maiores até
que podiam contar 200 mil milhões de estrelas
e até mais de mil milhões de estrelas cada uma
umas próximas, outras distantes, longínquas.
Depois descobriu-se que as galáxias
se afastavam umas das outras
como leite que se derrama no chão
e que o universo não era imóvel
e que estava em expansão.
Mas, se as galáxias se afastavam uma das outras
significava por dedução, que outrora
tinham convergido num único ponto.
Fez-se o rewind ao filme
o leite a voltar do chão para o jarro
e as galáxias a recuarem
ao seu ponto de origem
todas a brotarem de um único ponto
o cálculo do filme a andar para trás
dava 13,8 mil milhões de anos
pouco mais ou menos.
E nesse ponto único
chamado o instante zero
o que sucedeu para que tudo expandisse?
Só pode ter sido uma magnífica e fabulosa
explosão, a explosão das explosões
um big bang, um grande estrondo,
um estouro com 13,8 mil milhões de anos
ou seja, a idade do universo
mais coisa menos coisa.

Há 50 anos pensávamos
que o barco e a navegação
tinham sido inventados
pelos chineses ou pelos sumérios
há alguns anos descobrimos
que os indígenas de Sumatra ou de Java
só puderam atingir a Austrália
munindo-se de embarcações
vai para 80 a 120 mil anos.

Há 25 anos pensava-se
que a civilização humana
tinha cerca de 5.500 anos
o começo da História começava
a contar-se com a invenção da escrita
a escrita só podia ter sido inventada
depois do sedentarismo
porque primeiro a Humanidade
domesticou os animais
depois domesticou as plantas
e inventou a agricultura
a agricultura implica que fica no mesmo lugar
nasceram então os povoados e as cidades
e só depois a escrita para organizar
a sociedade e a cidade.
Ou seja, até 4 mil ou 3.500 antes da nossa era
os homens eram pré-históricos
e moravam em cavernas
ou viviam em palhotas ou cubatas
provisórias quando nómadas.
Até que se encontraram as ruínas
de Göbleki Tepe na Turquia
um complexo de templos monumentais
com mais de 11 mil anos.

Há 25 anos descobriu-se
o primeiro exoplaneta
o primeiro planeta extrassolar
ou seja, fora do nosso sistema solar
hoje já temos registo de mais de 4 mil exoplanetas
o mais próximo fica a 4,22 anos-luz de nós
gira em volta da estrela Próxima do Centauro
no sistema estelar Alfa do Centauro
que é a estrela vizinha da nossa, o sol
o planeta extrassolar mais longínquo
que se pensa ter descoberto
situa-se a 4 milhões de anos-luz de nós
e gira em torno de um quasar-gémeo
a luz desse quasar e que só agora vemos
foi emitida quando a Terra
tinha acabado de se formar
e demorou esse tempo todo
até aqui chegar, apesar de ter viajado
à velocidade da luz (já que é luz!).

Há 20 anos pensava-se
que nada poderia viajar
mais rápido do que a luz
já que Einstein assim estabeleceu
nas suas teorias da relatividade
e o dogma ficou gravado na pedra.
Há 17 anos veio um alentejano dizer
que depois da explosão do início de tudo
a inflação (com num balão)
que se seguiu ao nascimento do universo
só pode ter acontecido
como se pensa ter acontecido
se a luz naquela altura viajasse
mais rápido do que agora
e a comunidade científica
ficou a coçar a cabeça.

Há 14 anos o nosso Sistema Solar
tinha nove planetas, hoje tem apenas oito
porque se descobriram tantos planetóides
e planetas anões transneptunianos
ou seja, para além da órbita de Neptuno
numa zona chamada Cinturão de Kuiper
que teve de se redefinir o significado de planeta.
Hoje sabemos que há 18 corpos celestes
nessa zona e o número cresce todos os dias:
Haumea, que demora 283 anos a dar a volta ao Sol
Makemake, que leva 309 anos
Eris, que tem uma órbita de 560 anos
ou Sedna, que demora 11 mil anos
a dar a volta completa ao nosso astro
ou seja, um ano em Sedna
são 11 mil anos na Terra.

Há 100 anos pensávamos
que o átomo era o elemento
mais pequeno da Natureza
e que era indivisível
indisecável, como se dizia na época
há 90 anos descobriu-se que este afinal
era composto por electrões, protões e neutrões
há 60 anos descobriu-se
um jardim zoológico fabuloso de
elementos ainda mais pequenos
partículas subatómicas ou elementares
quarks, leptões, muões, hadrões
bosões, neutrinos e por aí fora.
Há sete anos descobriu-se o Bosão de Higgs
considerada a partícula de Deus
pois era suposto explicar todo o universo.
Não explicou, abriu ainda mais perguntas.

Há pouco mais de um ano pensava-se
que os buracos negros existiam
como teorizados pelos astrofísicos
desde há um século
mas nenhum tinha sido avistado
até à primeira foto de um
na galáxia M87 em abril de 2019
afinal não, o buraco negro não é negro
mais parece um donut alaranjado.

Tudo o que sabemos
é apenas tudo o que pensamos saber
todos os dias descobrimos algo novo
que põe tudo em questão outra vez
quanto mais sabemos, menos sabemos
quanto menos sabemos, mais descobrimos
e quanto mais descobrimos
mais sabemos sobre tudo o que não sabemos.

JLC12042020
Foto: Creative Commons

 

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