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Todo o Tempo do Mundo

Cava esse buraco, esquece o sol, e quando finalmente o trabalho estiver feito, não te sentes, é tempo de cavar outro.
(Pink Floyd – Breathe – Dark Side of The Moon)

 

Faltam três dias para as tão desejadas e tão esperadas férias na Turquia.

Poderíamos metê-lo num tubo de ensaio, agitá-lo bem agitado, deixá-lo fluir pelo tubo das experimentações, em ziguezague, e sairia do outro lado tal e qual como qualquer outro comum dos mortais, quase sem entender muito bem o seu propósito no mundo, e na vida.

Nem por isso o poderíamos considerar uma espécie de inhenho porque, como qualquer outro comum, vai desbravando passos na caminhada à medida das suas ilusões.

Faltam três dias para as férias na Turquia e, apesar da grande ansiedade com que os tem vivido, tem aproveitado o ensejo para imaginar um cem número de cenários, como quem prevê com antecedência as férias ideais para as quais tem valido todo o seu esforço nas horas de trabalho extras que, apesar do sacrifício feito para ter uns cobres a mais, irão dar imenso jeito nos dez dias que irá ataviar de acordo com os seus sonhos acordado.

Se lhe perguntassem neste preciso momento algo tão estúpido como desnecessário, como, estás excitado com as férias que se avizinham, ele responderia sem qualquer hesitação que sim, que ia ser assim e assado e isto e aquilo.

Foram custosos os três dias que faltavam para as tão desejadas férias. Bem mais custosos do que o resto dos dias que o separaram de quase um ano passado entre estas e as últimas férias.

Custou, mas chegou a sexta feira onde quase não cabia em si de contentamento, excitação e até uma certa ansiedade, sentimentos que bem amalgamados se foram manifestar num certo formigueiro que sentiu em volta do umbigo. E entre essa sexta feira e a segunda-feira com os dez dias de férias já consumados, foi como um piscar de olhos.

Se lhe perguntassem, provavelmente os mesmos que lhe perguntaram se estava excitado acerca das férias, se se divertiu no seu tão merecido descanso, diria quase desiludido, com o mesmo grau de intensidade com que as idealizou naqueles três dias que as antecederam, que…bem…não foram más… (mau maria, não foram más quer dizer que também não foram boas, não foram à altura das expectativas).

Depois, nos desabafos sobressaíram os desalentos esboroados numa espécie de lamúria, onde aqui e ali se ficou a saber que afinal um tipo que nasce num país onde o sol mesmo sendo para todos, raras vezes aparece, e uma pele esbranquiçada exposta ao sol escaldante da Turquia, depois de transformar o corpo num bife acabado de ser fatiado pelo talheiro, o próximo passo é um escaldão que arruína as férias de qualquer um.

E depois de o espremer bem espremido sabe-se também que foram mais as desilusões do que os encantos.
Falta um ano para as próximas férias… Vá, cava lá esse buraco, esquece o sol, e quando o trabalho estiver feito não te sentes, é tempo de cavar outro…

“Tens razão, estive a gracejar. Mas ainda não acabei, falta o último gracejo. Aos vinte e sete anos formei-me. Era médico, enfim, realizara o meu ideal mais alto, o meu sonho mais belo, mas foi justamente nesse momento que apareceu o tal último problema; o espetáculo das vidas que definham, das febres que devoram, dos males que desfiguram, das lágrimas e dos gritos dos que não querem morrer. O espetáculo da grande vida que acaba miseravelmente num suspiro, depois de se ter enchido de alegrias e de tristezas, de triunfos e desastres!”

José Saramago, Terra do Pecado

Vida, ilusões, expetativas… Cava um buraco, mas não te sentes, é tempo de cavar outro.

Quem te disse a ti que tinhas todo o tempo do mundo…?

(Retalhos do Quotidiano, páginas 13 e 14)

António Magalhães

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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