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Timor continua a ser uma boa ideia, dizem portugueses que vivem na ilha

No meio da tensão política, após mais uma crise económica, no pós-covid-19, a que se somou a guerra na Ucrânia, há portugueses em Timor-Leste que resistem e recomendam a jovem democracia asiática para viver e investir. 

Fernando Madeira foi atacado duas vezes por um crocodilo e viu ali um sinal de encorajamento. Mara Bernardes de Sá consegue vislumbrar a custo o “lixo que estraga um pouco a paisagem” de Díli, mas permanece rendida, “todos os dias”, aos encantos da beleza timorense. 

Nos negócios, Pedro Moreno sente os problemas da logística dos custos energéticos e de transporte, mas continua a ‘vender’ o país como “um mercado cheio de oportunidades”. E Tiago Barata, apesar dos muitos constrangimentos na indústria do turismo, fala nos produtos únicos do país e expressa a convicção de que “as pessoas conseguem ser felizes em Timor-Leste, onde “é divertido trabalhar”.

Fernando Madeira chegou em 2005 como turista em versão ‘mochileiro”. Viu um país “cheio de potencial, com uma riqueza natural incrível”. E o que lhe disse esse deslumbramento sobre Timor-Leste? “Tocou-me imenso, tocou-me de tal maneira que ficou logo o bichinho, de voltar e voltar para ficar”, lembra.

O “sonho antigo” de erguer um hostel, que já vinha desde os tempos de Macau, encontrou ‘casa’ em Timor-Leste, mas a aventura começou com a criação de raiz de uma quinta pedagógica em Baucau, “um projeto social, acima de tudo” com o objetivo “de criar um banco de sementes”, em que se selecionassem “as plantas dos [então] distritos” do país. E assim foi. Trouxeram-se “as escolas para dentro da quinta” e também a quinta para dentro das escolas, à boleia da educação ambiental.

Pelo meio de tanto entusiasmo, com a diferença de dez anos sobreviveu a dois ataques de crocodilo, sagrado para os timorenses, quando mergulhava numa das suas paixões, a caça submarina. Para alguém que pense que se trata de um otimista delirante, o português encolhe os ombros, abre o sorriso e quase parece confirmar: diz que “tudo estava a alinhar-se”, porque o primeiro ataque foi um “susto e lição enorme”, e o segundo “mais um alerta e mais um sinal”, um “reforço” para a sua “missão em Timor-Leste”.

“É giro, (…) os timorenses veem isso como um bom sinal e eu lembro-me que até o Ramos-Horta [atual Presidente de Timor-Leste] disse na brincadeira, uma vez em que foi lá à quinta ´você é lulik’, que significa sagrado em tétum.

“Obviamente que [o país] tem os seus desafios, as suas limitações, mas também, por outro lado, é um sítio fabuloso a nível da natureza, e as pessoas também são muito amistosas, principalmente quando se sai fora de Díli, e, para nós, portugueses, há um carinho inimaginável”, sublinha.

Sobre “o país que está a dar os primeiros passos”, a recomendação, sobretudo para os jovens, é dita ainda com a mesma convicção que não se perdeu desde 2005: “Para quem tem sonhos e gostava de ver as coisas acontecer acho que aqui é um sítio fantástico”.

No caso de Fernando Madeira, passa por ter uma palavra a dizer no “desenvolvimento sustentável, (…) num turismo agroecológico e ético”, porque esse “é um dos grandes desafios deste país: fazer a diferença”.

Mara Bernardes de Sá aterrou em Díli também em 2005. Ficou-lhe tatuada na memória o primeiro trajeto, “a baía, ou a cabeça do crocodilo da Areia Branca”.

“E destes 18 anos em que estou cá ainda passo por ali todos os dias e ainda me encanta e impressiona”, diz, para depois resumir de um fôlego que o sentimento para com Timor-Leste habita entre a “paixão à primeira vista” e “o amor incondicional”.

Desde 2018 que se vê como uma “abelhinha na grande colmeia das eleições”, a trabalhar para a entidade que gere os sufrágios, mas já passou pelo centro cultural da Embaixada de Portugal e pelo Arquivo & Museu da Resistência Timorense.

Há um par de “coisas boas” que lhe vêm à mente: o acolhimento dos timorenses a quem chega e a sua resistência. “E essa calma que nos ensinam: o viver o momento”, acrescenta.

Um par de “coisas más” já a obrigam a refletir, mas sem pleno sucesso. Só se for “a parte do lixo, que estraga um pouco a paisagem, muito mais em Díli do que nos [outros] municípios”, atira a flaviense, de 47 anos.

A quem pode chegar ou equaciona uma mudança para Timor-Leste, Mara deixa a sua própria experiência falar por si: “Escrevi um texto há uns tempos que foi publicado num livro (…): a minha alma encontrou a linguagem dela na ilha do sol nascente”.

Tiago Barata está à frente do primeiro hotel do país, o Hotel Timor. Se lhe perguntam pelos preços de avião para chegar a Timor-Leste, sobre a falta de ligações aéreas ou pela consequente falta de turistas, o lisboeta trava a listagem das dificuldades e explica ao que vem: “não podemos olhar muito para o retrovisor, temos de olhar em frente”.

Não é um negacionista dos “tempos muito difíceis” que sentiu na pele, da pandemia “que veio dinamitar tudo”, mas tem crença que chegue para os próximos anos: “O ano de 2022 foi um bocadinho melhor e 2023 será melhor, e se Deus quiser, em 24 e 25 as coisas vão continuar a melhorar”.

Está convicto de que “falta um aeroporto como deve de ser “e um novo hospital”, dois investimentos essenciais, defende, mas tem duas certezas para a troca: produtos únicos em Timor-Leste e uma capacidade de resposta capaz de surpreender tudo e todos.

“Um aeroporto é fundamental, passarmos a ter mais oferta. Temos produtos únicos aqui em Timor, estou a lembrar-me da ‘whale watch’ [passeios para ver baleias], que é um produto único em Timor, com um sucesso brutal, e tudo o resto ligado ao turismo, seja um turismo de negócios, seja um turismo de lazer”, detalha.

Sobre se a hotelaria em Timor-Leste, por exemplo, é capaz de dar resposta a um maior fluxo turístico, o português de 54 anos é taxativo: “Nos piores momentos, em situações de grande adversidade, Timor sempre conseguiu dar resposta e conseguir surpreender internamente e externamente”. 

Chegou a Timor-Leste como voluntário em 2000 e a ideia era ficar seis meses. Passaram-se anos, entre idas e regressos de Portugal, para em 2012 abraçar mais definitivamente a aventura timorense. Enquanto país, para quem quer investir e trabalhar, sustenta, Timor-Leste “é atrativo”, mas avisa que “é preciso gostar-se e é preciso aprender a gostar”.

“Acho que não é a galinha dos ovos de ouro, mas há oportunidades e, acima de tudo, acho que é divertido trabalhar em Timor. E aprende-se. E isso é bom. E as pessoas conseguem ser felizes em Timor”, sentencia.

Pedro Moreno também vem da capital portuguesa. Está há nove anos na capital timorense, primeiro como diretor comercial e depois como administrador dos Supermercados Pateo, que, para além da venda direta ao consumidor final também está no negócio da distribuição.

A charcutaria e vinhos assumem um peso considerável, confirma: “É a nossa categoria estrela, (…) são as categorias pelas quais somos mais procurados, [e] sim, os timorenses procuram muito os vinhos. Temos todo o espectro de oferta portuguesa, desde os mais baratos de garrafão e em pacote, até um Barca Velha, ou um Pera Manca”.

Sempre teve o desejo de rumar a Timor-Leste, “já na altura da independência, do Lusitânia expresso”, mas também pela ligação familiar, um “imaginário” ligado ao tio, militar no país asiático, e ao facto de ter crescido em casa dos avós, “com imensos artefactos de Timor”.

Desde 2012, Pedro Moreno e o negócio passaram por duas fases muito distintas.

“Os primeiros anos foram sempre robustos, com crescimentos muito fortes. Depois, a partir de 2017, houve aqui algumas questões políticas, um governo minoritário, primeiro, depois uma coligação que nunca realmente o foi”, lembra.

“E quando isso finalmente pareceu estar resolvido, chegou a covid-19 e a seguir a guerra na Ucrânia, que também em termos logísticos e económicos trouxe bastantes constrangimentos a uma nação que, sendo uma ilha, e isolada, sofre particularmente”, sublinha.

Em Timor-Leste, parece existir esperança e o otimismo em doses generosas. Pedro confirma isso mesmo, na sua previsão para o futuro próximo: “Esperemos que agora tenhamos condições para voltar ao caminho dos crescimentos robustos”, diz, apesar da dificuldade em gerir as ruturas de stock, o aumento dos preços, os custos logísticos, de transporte e energéticos que “têm subido imenso”.

Conclusão: “É um mercado cheio de oportunidades. Há muita coisa por fazer. É preciso pessoas especialistas em muitas áreas. E eu diria que sim, que se a pessoa tiver vontade de vencer desafios e capacidade de se dedicar a esses desafios, Timor é uma localização e uma geografia fantástica, com muitas oportunidades”.

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