Terrorismo: jovem assumiu vontade de esfaquear colegas universitários
O jovem suspeito de planear um ataque terrorista à Faculdade de Ciências assumiu esta terça-feira em tribunal a vontade de “atirar ‘cocktails molotov’, setas e esfaquear pessoas”, mas considerou que não teria “coragem para matar uma pessoa”.
Na primeira sessão do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa, João Carreira, de 19 anos, acedeu a prestar declarações ao coletivo de juízes presidido por Nuno Costa e, num tom monocórdico e inexpressivo, tem respondido às questões, confirmando a obtenção dos materiais, o interesse que vinha de trás por assassínios em massa ou o estado depressivo em que estava em fevereiro, quando foi detido pela Polícia Judiciária na véspera do ataque.
“Talvez ir para o auditório e atirar cocktails molotov, atirar setas, esfaquear pessoas”, respondeu o arguido ao juiz sobre o que pensava fazer quando chegasse à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, sublinhando como motivações “a depressão, o facto de estar em Lisboa e querer a atenção das pessoas da comunidade”.
Confessando que não queria “atingir ninguém em especial”, o estudante universitário descreveu os sucessivos adiamentos da execução do ataque – que chegou a ser apontado para os dias 03, 04, 07 e 09, até fixar finalmente o dia 11 – e defendeu que isso se traduzia numa vontade de não executar mesmo o ataque.
“Por que razão é que não avançou?”, questionou o juiz. E João Carreira respondeu: “Porque não queria. (…) Acho que não queria fazer aquilo realmente. (…) Acho que não tinha coragem para matar uma pessoa”.
O arguido vincou que o interesse pelo tema dos assassínios em massa despontou em 2018, reconheceu ter noção de que aquilo que pensava fazer na Faculdade de Ciências “era errado” e até admitiu ter pensado em recorrer a ajuda psicológica.
“Pensei um bocado, mas depois desisti”, explicou, revelando ter tido anteriormente acompanhamento médico por causa do autismo, mas que não contactou o médico por já não falar com ele há muito tempo e por pensar que “podia resolver o problema sozinho”.
Durante cerca de duas horas, João Carreira foi respondendo a todas as questões do coletivo de juízes e da procuradora e quando não sabia responder, disse sempre a mesma frase: “Não tenho a certeza”.
Contou sobre a participação em diferentes plataformas ‘online’, como Discord, Tumblr e Reddit, justificando o interesse em conteúdos violentos com a vertente psicológica dos autores destes atos.
Foi através do Tumblr que o jovem disse ter conhecido Micaela, jovem que contactou a partir de 2018 e que chegou a conhecer pessoalmente em outubro de 2021, reconhecendo um “amor platónico” que nunca se materializou numa relação.
“Sim, tinha um tipo de atração por ela… diria que era amor platónico. Mas os pais dela não gostaram de mim quando fui a casa dela”, afirmou, admitindo ter ficado “um bocado deprimido” com a situação e que tinha vindo estudar para Lisboa por causa do interesse que tinha por Micaela.
Todavia, garantiu não ter falado com a jovem sobre o plano do ataque e, sim, com outra colega na Faculdade de Ciências, Riya, com quem comunicava em inglês, chegando a ponderar um “pacto de suicídio” com a jovem de nacionalidade nepalesa, que referiu que também não parecia estar satisfeita na Universidade de Lisboa.
Questionado sobre a forma como olhava para o plano de ataque que pensou executar, João Carreira manifestou ter agora consciência do que estava em causa.
“Penso que foi péssimo ter pensado nisso. Agora sinto-me melhor, tenho estado bem. Não continuo a ter [esses pensamentos], estão a desaparecer. Era péssima a minha ideia, porque era errada e porque acho que também não ia conseguir matar nenhuma pessoa. Moralmente, é errado matar uma pessoa. Consigo hoje ter a consciência disso, sim”, confessou.
João Carreira foi acusado em julho pelo Ministério Público (MP) de dois crimes de terrorismo, um dos quais na forma tentada, e de um crime de detenção de arma proibida.
Ficou em prisão preventiva desde 11 de fevereiro de 2022, tendo a medida de coação sido substituída por internamento preventivo no Hospital Prisional de Caxias, com o MP a alegar “forte perigo de continuação da atividade criminosa e um intenso perigo de perturbação da tranquilidade e da ordem públicas”.