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Suspensão dos acordos de extradição com China e Hong-Kong

A Iniciativa Liberal e o PAN convocam o Parlamento para discutir matérias de direitos humanos, apelando à suspensão dos acordos de extradição entre Portugal e a República Popular da China e com a Região Especial Administrativa de Hong-Kong. Só que este debate é também sobre as garantias da Constituição da República Portuguesa, sobre os valores em que assenta o nosso sistema judicial e sobre a União Europeia, particularmente a resolução do Parlamento Europeu sobre uma nova estratégia UE-China, que é aqui usada de forma indevida para atacar Portugal.

A Iniciativa Liberal acusa injustamente o Partido Socialista de desvalorizar a matéria dos direitos humanos na China e as recomendações do Parlamento Europeu por ser contra a suspensão dos acordos de extradição. Faz mesmo crer na sua Resolução que Portugal poderia entregar de forma acéfala às autoridades chinesas opositores políticos, dissidentes, ativistas e outros indivíduos. Mas estas acusações são desonestas, porque fazem uma leitura distorcida das referidas recomendações na parte relativa ao apelo aos Estados-membros para suspenderem os tratados de extradição existentes e por diminuírem de forma injusta a solidez dos acordos e a independência do sistema judicial português. 

Acolhemos de bom grado todos os debates sobre os direitos humanos, fundamentais para evitar a erosão da matriz humanista da nossa sociedade e da defesa intransigente da dignidade humana, sobretudo nestes tempos tão conturbados pelo avanço dos populismos e movimentos extremistas. Mas este tem de ser um debate honesto e sem truques, que não é o que nos traz a Iniciativa Liberal, tão grande é a sua obsessão de parecer mais defensor dos direitos humanos que os outros partidos, omitindo a ligação entre o restante parágrafo da recomendação e a consistência dos acordos que Portugal assinou. E o resto do parágrafo refere que a suspensão deve ser feita sempre que a extradição coloque a pessoa em risco de tratamentos cruéis e degradantes ou quando o pedido é feito com base em acusações de natureza política. 

Percebe-se assim que a Iniciativa Liberal prefere uma lógica de confronto cego, sem olhar a contextos, e que não acredita no bom senso da diplomacia nem nos valores humanistas do direito português, o que, na nossa opinião, em nada beneficia uma abordagem consequente das relações internacionais. E também que não reconhece nem acredita no rumo agora bastante mais assertivo da União Europeia em relação à China, inclusivamente na defesa dos direitos humanos.

Com efeito, os acordos de extradição de Portugal com a China e a região Especial de Hong-Kong são importantes instrumentos de cooperação, mas em que, numa matéria como esta, a defesa dos direitos fundamentais, não poderia senão estar bem salvaguardada. Não há nem pode haver nenhuma extradição automática para a China, porque o sistema judicial português preservou para si toda a autonomia e independência na decisão de extraditar, tendo como base a proteção da pessoa reclamada por um conjunto abrangente de garantias.

Estas garantias assentam em motivos obrigatórios e facultativos para recusar a extradição, com ampla margem de interpretação por parte das autoridades judiciais, sempre que se acredite que o pedido foi feito para punir alguém em virtude da etnia, religião, sexo, nacionalidade ou convicções políticas. Ou sempre que o pedido de extradição coloque em causa a soberania, a segurança ou outros interesses públicos, se for contrário aos princípios fundamentais do direito interno e mesmo por considerações de ordem humanitária. Jamais poderá haver extradição de alguém a quem possa ser aplicada a pena de morte, de prisão perpétua ou por tempo indeterminado. Estes são princípios e valores amplamente respeitados nos acordos celebrados, que regem o direito português e fazem parte integrante da nossa matriz humanista. 

Não sabemos, por isso, se a Iniciativa Liberal se esqueceu de ler os acordos de extradição ou se tinha esperança que ninguém os lesse para não estragar a sua imagem de magnífico defensor dos direitos humanos, intrépido contra tudo e contra todos…

Consideramos ser muito importante haver ponderação quando abordamos a relação entre Portugal e a China, que ao longo dos tempos se tem pautado pela amizade e respeito mútuo, numa cooperação equilibrada e mutuamente benéfica, em que os cidadãos portugueses ou de origem portuguesa em Macau, Hong-Kong e na China continental são um elemento central a considerar e proteger, bem como a profundidade das nossas relações político-diplomáticas, económicas e culturais. 

A verdade é que Portugal e a União Europeia não se têm coibido de tomar as posições que acham adequadas relativamente a múltiplas dimensões das relações com a China, que é uma grande potência e um parceiro estratégico para a União Europeia e para Portugal. A lógica do confronto inconsequente com as nações não é benéfica para ninguém, nem será esse o nosso caminho.

Paulo Pisco

(Intervenção no debate na Assembleia da República)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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