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Sem tradução

Um dos óbvios obstáculos que enfrentamos quando vamos viver para fora do nosso país é, naturalmente, a falta que iremos sentir da nossa casa, de familiares, das nossas rotinas, entre muitas outras coisas. Talvez por sermos pessoas culturalmente desenrascadas e que gostam de atalhar caminho, resumimos todos esses sentimentos numa palavra apenas, Saudade.

Como já é mais do que sabido por qualquer português, esta palavra não tem tradução para mais nenhuma língua. E nós adoramos que assim seja! Ter uma palavra só nossa está quase ao nível do Hino Nacional, da Bandeira, do Fado ou, talvez exagerando um pouco, da Seleção Nacional de Futebol. As pessoas exibem a palavra com aquele orgulho de superioridade e, não raras vezes, atiram-na a despropósito, mal surja a oportunidade, a qualquer estrangeiro que, mesmo ao de leve, toque no assunto.

Apesar da exclusividade da palavra, não somos os únicos a ter uma só nossa. Arriscaria dizer que todas as línguas terão as suas próprias palavras. Porém, outra que tem estado bastante em voga vem diretamente da Dinamarca, o Hygge. Segundo sei, neste caso, a palavra relaciona-se com uma sensação de bem-estar, algo mais profundo que o simples aconchego. Há mesmo quem diga que, mais do que uma palavra, Hygge, é uma atitude perante a vida.

Sem querer entrar em grandes dissertações linguísticas, como amante de palavras que sou, penso que se pode extrair destas duas mais do que uma simples coincidência. Segundo o último relatório da ONU acerca dos níveis mundiais de felicidade, a Dinamarca está em segundo, depois de já ter estado em primeiro por três ocasiões. Quanto a Portugal, os níveis de felicidade estão perto dos de países ou territórios como o Kosovo, a Palestina, ou a Somália. Desde logo, é bastante triste perceber que a combinação “Guerra e Fome” está ao nível da combinação supostamente vencedora “Mulheres e Copos”. Posto isto, faz todo o sentido que a “nossa” palavra transmita uma sensação de tristeza e melancolia e que a do país nórdico transmita bem-estar e alegria. Mais do que meros vocábulos, são traços culturais.

Passando à frente a questão estatístico-linguística, pessoalmente, gosto bastante de ter os direitos da palavra Saudade. Quando estamos bem e contentes, isso transmite-se facilmente, ninguém precisa de grandes considerações para expor a sua alegria. Já com a tristeza, há uma dificuldade clara na transmissão de sensações. Assim, acho bastante mais útil ter a palavra Saudade. Iria até mais longe. Diria que devia ser uma medida quantitativa. Deveria ser possível dizer quantas saudades temos. Facilitaria relações e evitava mal-entendidos. Convenhamos que quando falo com a minha família, eles não devem gostar lá muito que diga que tenho muitas saudades deles e… do meu carro, ou de comer uma francesinha. As saudades têm patamares diferentes e, como toda a gente sabe, nada se equipara àquele queijo derretido com molho por cima.

Em relação à minha experiência com as saudades aqui no Luxemburgo, devo dizer que não sou uma pessoa especialmente sentimental. Nas primeiras semanas que aqui estive, comecei mesmo a ficar um tanto ao quanto preocupado com a minha incapacidade em senti-las. Um país novo, muito por conhecer e muitas sensações para assimilar, talvez sejam alguns dos motivos que me levaram a não ficar tão preso à palavra. Porém, mais dia menos dia, elas irão mesmo aparecer. Tão certo como a morte ou a existência de obras no Luxemburgo.

Se me perguntassem quando em específico se começa a ter saudades, diria que a resposta é dúbia e dependerá, evidentemente, de pessoa para pessoa. Também ninguém sabe quando vai começar a ter dores de costas e cabelos brancos, apenas sabemos que irá acontecer. No meu caso, a parte das saudades foi ao fim de um mês aqui, quanto ao resto, ainda não cheguei lá.

Algo de que me apercebi quando comecei a sentir saudades, foi que mais do que de pessoas, é um sentimento que se tem por momentos. Logicamente que os momentos, na maioria das ocasiões, envolvem pessoas. Porém, não deixa de ser algo diferente. Há determinadas rotinas que vivemos com alguém em concreto e outras que nos habituamos a ter sozinhos. Não me refiro apenas a grandes planos de vida como sair de casa dos pais ou ter filhos. Refiro-me a situações simples. Ao café em frente ao mar. Ao cheiro da maresia. Ao colega com quem fazemos a pausa no trabalho ou no estudo. Ao caminho para a paragem do autocarro. Ao chegar a casa e ter determinada pessoa à nossa espera. Ao jantar onde cada um conta o seu dia. Estes pequenos momentos dos quais nem nos apercebemos quando os vivemos, são saudades que iremos sentir quando deixarmos de os experienciar.

O facto de estar no Luxemburgo, poderá, por um lado, ser um atenuante, mas, por outro, uma lembrança muito clara de momentos que sentimos falta. A título de exemplo, ir a um café aqui em Esch-sur-Alzette é como ir a um café em qualquer sítio de Portugal. Fala-se português, o café é bom, a música de fundo é a mesma e até as mesas e cadeiras têm o mesmo estilo. Na verdade, só reparo que estou no Luxemburgo quando vou pagar e me apercebo que o meu café dava para pagar os cafés de quase toda a semana em Portugal.

Esta minha pequena experiência por cá, tem sido extremamente interessante e proveitosa em muitos aspetos, incluindo este das saudades. Porém, nunca poderá ser termo de comparação com a de muitas e muitas pessoas que cá estão há décadas. Pessoas que viveram longe de casa sem a facilidade tecnológica e a flexibilidade de companhias aéreas que reduzem em muitos quilómetros a distância que a saudade não é capaz de medir. Pessoas que visitam o sítio onde nasceram e vivem no sítio que visitaram.

Para essas pessoas, faz todo o sentido que a palavra Saudade não tenha tradução.

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