Hoje voltou a amanhecer.
Cedinho e com chuva.
É sempre assim, amanhece cedinho.
Com chuva… nem sempre.
Às vezes, a rasgar, mesmo que lentamente, o crepúsculo da manhã,
Vem o sol para raiar sobre a terra,
Para a iluminar,
Para lhe dar vida.
Se em dias de calor, sinto uma brisa fresca que vem do mar, ou da montanha,
Invade-me uma sensação quente e harmoniosa
Que vem de dentro de mim
E sinto-me feliz.
Raros momentos em que penso estar de bem com a vida.
Se calhar, é disso que mais saudades vou ter, quando morrer.
Será que essa brisa a sinto, lá para onde vou?
Será que tu, meu amigo, a sentes, lá onde estás?
Hoje amanheceu. Cedinho e com chuva.
Amanhece sempre muito cedinho. Mas com chuva…
Essa chuva que hoje, enquanto me salpicava a cara à medida que dela tentava fugir,
Me invadiu por mais uma sensação da qual já nem sequer me lembrava.
Resultado talvez, do contraste entre o frio dos salpicos da chuva, e as faces ainda amornadas pelo quente de uma noite no conforto do meu leito.
E lembrei-me de ti.
Lembro-me muitas vezes de ti.
Daqueles tempos em S. João da Madeira em que começávamos o dia em correria, porque estávamos sempre atrasados para o trabalho.
Das correrias para o Centro de formação, à noite, para onde corríamos também, sempre atrasados.
Das nossas irresponsabilidades de jovens adolescentes, e do quanto nos divertíamos com elas.
Gargalhadas que não tinham preço.
Irresponsabilidades que não tinham maldade.
Lembrei-me de ti,
não só porque as gotas frias da chuva,
ao baterem na minha cara quando delas tentava fugir,
em contraste com o mormaço das minhas faces,
resultado de mais uma noite, apesar de tudo curta, me devolveu à lembrança outros tempos bem mais áureos,
dos quais tenho saudades.
Mas também porque estamos em Outubro,
e este mês,
para todos nós que somos teus amigos,
nos devolve à lembrança a dor de quem perde alguém que tanto estima.
Este mês que nos devolve à lembrança que todos os dias são o nosso último dia,
e por isso o temos de viver na sua plenitude, no melhor da nossa capacidade.
E depois…quem sabe, se a canção que Vera Lynn imortalizou, estiver certa,
“Voltaremos a encontrar-nos,
Não sabemos onde
Não sabemos quando
Mas sei que voltaremos a encontrar-nos num dia ensolarado.”
António Magalhães
Dedicado ao meu amigo Martins (Quim Luís), em mais um aniversário da sua abrupta partida para o outro lado.