As “verdadeiras” romarias quaresmais na ilha de São Miguel terão tido origem na primeira metade do século XVII (1630) e não no século XVI, disse a investigadora Susana Goulart, na sequência da pesquisa histórica que desenvolveu.
A historiadora, que foi oradora convidada na sessão comemorativa dos 500 anos das romarias na ilha de São Miguel, na Câmara Municipal de Ponta Delgada, explicou, em declarações à Lusa, com a “data concreta de 1630, altura da erupção do vulcão das Furnas”.
A docente da Universidade dos Açores refere que foi “a partir daqui que há registos históricos que comprovam que, com esta erupção, e o medo que causou nos moradores da ilha, começaram-se a fazer as primeiras romarias às casas de Nossa Senhora [Ermidas e igrejas]”.
Tradicionalmente, durante a romaria os romeiros percorrem quilómetros na ilha de São Miguel, a pé, durante uma semana, usando um xaile, um lenço, um saco para alimentos, um bordão e um terço, entoando cânticos e rezando.
Os romeiros pernoitam em casas particulares ou em salões paroquiais, devendo iniciar a caminhada antes do amanhecer e entrar nas localidades logo a seguir ao por do sol.
A média de elementos de cada grupo ronda os 50 homens e as romarias devem cumprir um percurso sempre com o mar pela esquerda, passando pelo maior número possível de igrejas e ermidas de São Miguel.
Existem 53 ranchos de romeiros na ilha de São Miguel.
O inicio das romarias em São Miguel estão associadas ao vulcão de 1522, em Vila Franca do Campo, referindo a investigadora que este “foi de facto um episódio dramático, tendo morrido cerca de duas a cinco mil pessoas”, mas este foi “muito circunscrito à localidade, que na altura era o grande centro da ilha de São Miguel”.
“Acima de tudo, a erupção vulcânica de 1630 teve uma ação muito mais abrangente, o que leva a uma prática, que já existia de haver peregrinações, desde o inicio do cristianismo. Aqui, na ilha, começaram a ter uma configuração muito especifica feitas por homens, mulheres e crianças para amansar a fúria divina e tentar agradar e evitar os castigos de Deus, fazendo as peregrinações às ermidas e igrejas de Nossa Senhora”, refere a historiadora.
Susana Goulart desmistificou ainda a ideia de que as romarias femininas só surgiram nos século XX e XXI, tendo referido que “as fontes históricas permitiram avançar que no século XVII as romarias às casas de Nossa Senhora foram feitas por romeiros e romeiras, sendo mesmo a expressão que está na documentação, e levavam os filhos com eles”.
“Estes movimentos mais recentes que de facto se tem visto, nos séculos XX e XXI, de agrupamentos de romeiras a fazer percursos a pé pela ilha de São Miguel só faz reavivar uma realidade que remontará ao século XVII, proibida depois por questões eclesiásticas, nos séculos XVIII e XIX, não sendo assim uma inovação, mas a recuperação de um facto histórico”.
Na sessão comemorativa dos 500 anos das romarias na ilha de São Miguel, o presidente do Governo dos Açores, José Manuel Bolieiro reiterou o seu apoio à intenção dos romeiros de classificarem como património imaterial da Humanidade esta tradição secular regional, através da UNESCO.