
Fiz uma radiografia para ver se o poema tinha um nódulo
Tinha, mas era baço, e o crepúsculo aos poucos ficou dia
Acordou bem cedo de um silêncio que late, que disparate
Olhei bem, e no fim, o nódulo desapareceu e ficou pura poesia.
Depois olhei bem e vi que eram sílabas métricas
E vi também uma válvula que o poeta usa de suporte
Ela regurgita, para um tema que é psiconalista
Que foi certa vez, mesmo salvo na hora da morte.
Radiografei melhor e vi a poesia a cantarolar
Bem disposta, frontal, e com muita fantasia
Radiografei outra vez a poesia e a comecei amar
Tanto, tanto, que vivemos juntos a cada dia.
Agora radiografei bem fundo e vi Sócrates e Platão
Estavam a falar sobre o que é onomatopeia
Anáfora, animismo e sobre uma centopeia
Não compreendi nada e não dei mais atenção.
Finalmente extirpei as poucas sílabas e o texto
E continuei sempre a bater no teclado
Estava já cansado e foi deitar-me como pretexto
Caí na cama tranquilo e me virei para o outro lado.
José Valgode