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“Queres ir comigo ver o mar?”

Este ano poucas vezes escrevi. E em marés agitadas, pedi a mim mesma autorização para que o meu primeiro artigo fosse sobre Moledo. Almejava fazê-lo porque acredito que a começar, comecemos pelo que amamos. Faltou-me, contudo, a inspiração, a vontade e a coragem.

Mas hoje escrevo-o de frente para o mar: e o meu pai sentado aqui ao meu lado.

No fim de almoço disse-lhe: “queres ir comigo ver o mar?”. E ele – dando-me uma pequena vitória no meio de dias que também nos ensinam lições de derrota – aceitou.

Estamos há duas horas a vê-lo. Lado a lado. Em silêncio, enquanto a forte nortada de hoje nos dá musica para ouvir e nos abana o carro.

Há quem não compreenda o que é pra nós ver o mar. Não é entrar por ele adentro. Nem molhar o pé. Nem lavar o rosto. É olhá-lo. É escutá-lo. É deixar que aquele ranger nos arranhe e nos sacuda. E é aqui que, nós que nascemos com os olhos postos nele, passámos quando precisamos de beber força. Porque estas ondas nos salgam a alma. Salgam-na tanto que a purificam.

Tiram-nos das mãos do que tememos e atiram-nos para o melhor que possuímos, enrolando-nos nos grãos da nossa destreza e dando-nos a certeza de que à costa iremos voltar.

O meu pai conhece este mar melhor do que todos nós. A vida, viveu-a toda aqui – de rocha em rocha. De poço em poço. Lapa em lapa. E eu desde pequena que lhe vi as redes e lhe herdei a paixão.

Ele conhece todos os socalcos desta areia. Sabe onde estão os polvos, as navalheiras, as caramujas, os percebes e os mexilhões. Há quem diga que ninguém corre por entre estas pedras melhor do que ele. E nem nos mais graves invernos tirava férias da sua paixão.

Já nos verões, enchia-me de travessas desses frutos que o oceano plantou. E eu, de brilho nos olhos e água na boca, trincava-lhes as carapaças a dente. Qual quebra-nozes…

Agora, colocando os olhos da barriga de lado, sei que o mais bonito é que, pelas manhãs, eu sabia que as escadas lá de casa cheirariam a Moledo – que é como quem diz, o cheiro dos fins de
tarde de nevoeiro, que nos traz a maresia até às entranhas do peito.

Quando partir quero ser onda – tenho a certeza. Ou então quero ser um beijinho – não desses que nós sabemos dar. Um desses que se disfarça de areia: quando em pequena, passei horas a revirá-la à beira-mar, à procura dessas pequenas conchas que – sem eu saber – já me ensinavam que a vida é uma incessante conquista por aquilo que não temos a garantia de vir a encontrar.

Muito já escrevi sobre Moledo e o mar – eu sei. Mas perdoem-me – nunca escrevi com o meu pai ao lado, a olhá-lo.

Continuamos em silêncio, deixando Moledo falar – Moledo que é esta água salgada. Moledo que é vento. Que é o pó das maias que nos enche as janelas de tons de amarelo para avisar que é tempo das flores tomarem o seu lugar. Moledo que é mar enrolado na areia – e eu e o meu pai sabemos o que ele diz.

“Queres ir comigo ver o mar?”. – Enquanto um de nós for onda, não nos cansaremos de te olhar.

3 de abril de 2019

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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