Projeto ibérico restaura 20 obras de pintura espanhola em Portugal
Vinte obras ganharam nova vida através de um restauro no âmbito do projeto para a montagem da exposição “Identidades partilhadas – Pintura espanhola em Portugal”, que é inaugurada esta quinta-feira no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa.
Este projeto ibérico de restauro e investigação, que envolveu especialistas portugueses e espanhóis, culminou na realização da primeira grande mostra dedicada à presença da pintura espanhola em Portugal, com 82 obras, que ficará patente até 31 de março de 2024, segundo o museu.
“Cerca de 20 obras foram restauradas neste projeto”, disse à agência Lusa o diretor do MNAA, Joaquim Caetano, um dos comissários da exposição, em conjunto com Benito Navarrete, professor catedrático de história de arte na Universidade Complutense de Madrid, em Espanha.
Numa visita guiada para jornalistas, no museu, são visíveis os últimos preparativos para a abertura desta mostra inédita, segundo o diretor, “que resulta de um esforço ibérico para reunir e valorizar” obras criadas por pintores espanhóis que viveram em Portugal e de artistas portugueses que residiram em Espanha.
Exemplo do restauro são dois painéis de retábulo pintados por Luís de Morales (1510-1586), nascido em Badajoz, “que se encontravam em muito mau estado”, pertencentes ao desaparecido retábulo-mor da catedral de Elvas, onde se mantiveram entre 1579 e 1746.
Intitulada “São Joaquim e Santa Ana; Anunciação”, o óleo sobre madeira de Luís de Morales, pintado entre 1575 e 1579, pertencente atualmente ao Museu de Arte Sacra de Elvas, é uma das obras mais importantes que o artista espanhol criou em Portugal, a par do que pintou para o Mosteiro de São Domingos, em Évora.
Outras das obras restauradas para esta exposição foram dois óleos sobre tela “Cabeça cortada de São João Batista” e “Cabeça cortada de São Paulo”, da autoria de Sebastián de Llanos Valdés (1605-1677), nascido em Sevilha, pertencentes ao Museu Rainha Dona Leonor, em Beja.
“Não há muitos países da Europa que possam apresentar 82 obras de pintura espanhola de uma qualidade muito apreciável, talvez apenas França e Alemanha. Isto é realmente invulgar”, sublinhou Joaquim Caetano, durante a visita para os jornalistas, dando a ver pinturas dedicadas ao retrato régio e cortesão ou à natureza-morta.
Como objetivos da exposição salientou dois: “Queremos que os olhares de um lado e do outro da fronteira se foquem neste património português que tem relevância internacional. Por outro lado, foi uma ocasião única para estudar esse património com os nossos colegas espanhóis, e ter sobre ele um olhar atualizado, o que possibilitou, por exemplo, novas atribuições [de autoria], portanto um conhecimento mais atualizado sobre todas as obras” expostas.
No percurso expositivo, é possível admirar pinturas de autores como Antonio Munoz Degrain (1840-1924), natural de Valência, de Josefa de Ayala, nascida em Sevilha, conhecida em Portugal por Josefa de Óbidos (1630-1684), onde viria a instalar-se, e também de Francisco de Zurbarán (1598-1664), nascido em Badajoz, de El Greco (1541-1614), nascido em Creta, e que se instalou em Toledo, assim como de Vicente Carducho (1576-1638), nascido em Florença, e que viria a fixar-se em Madrid.
“Nós procurámos escolher obras de museus, igrejas ou de fundações que têm uma exposição pública”, explicou o diretor do museu, ressalvando que a equipa “não rastreou o universo enorme das coleções individuais privadas [em Portugal], porque isso seria uma investigação que demoraria muito mais tempo”.
Joaquim Caetano explicou que nesta presença de pintores espanhóis em Portugal há três situações diferenciadas: os artistas espanhóis que trabalharam em Portugal e os portugueses que se fixaram em Espanha, nomeadamente Luís Morales ou Vasco Pereira Lusitano, português que se instalou em Sevilha.
“Uma segunda situação ocorre sobretudo durante a união de Portugal e Espanha – de 1580 a 1640 – que é a de encomenda a pintores espanhóis para igrejas portuguesas, nomeadamente para o Mosteiro de São Vicente de Fora e para a Igreja de São Domingos de Benfica”, apontou, indicando que muitas das peças expostas, mantidas em coleções privadas, ou em monumentos e sítios de difícil acesso, são pela primeira vez estudadas e apresentadas ao público.
A terceira “é a do colecionismo do fim do século XIX, em que colecionadores portugueses voltaram a procurar o mercado espanhol, contemporâneo, […] artistas da sua própria geração que se enquadravam no gosto da época e no espírito tardo romântico, procurando a pintura medieval”.
Em declarações à Lusa, Benito Navarrete indicou que “este projeto ambicioso envolveu uma equipa de 12 especialistas portugueses e espanhóis, que puderam estudar obras bastante desconhecidas, possibilitando determinar a proveniência com mais precisão”.
Exposição integrada nas atividades culturais da Presidência Espanhola da União Europeia, segundo o MNAA, ilustra as relações culturais que existiram entre os dois países vizinhos, e que se concretizou através do colecionismo, por meio de ofertas diplomáticas, de patrocínio eclesiástico e, mais recentemente, através de aquisições levadas a cabo por museus e instituições privadas e públicas.
“Vai marcar o final de um ciclo das exposições temporárias do museu. Para o ano teremos obras do PRR”, apontou o diretor do MNAA sobre a mostra que conta com o mecenato da Fundação “la Caixa”, em colaboração com o BPI.
Também na quinta-feira inaugura a exposição “Obra Convidada”, com a apresentação da pintura “O Bom Pastor” de Bartolomé Esteban Murillo, proveniente do Museu Nacional do Prado. O pintor, nascido em Sevilha, em 1617, do qual o MNAA possui na sua exposição permanente o quadro “Casamento místico de Santa Catarina”, foi considerado um dos mais importantes do chamado “grande século de ouro espanhol”.