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Luxemburgo

Portugueses afetados pelo tornado: o que mais comove é a solidariedade

O tornado que atingiu a zona sul do Luxemburgo, ao final da tarde de dia nove de agosto, deixou um rasto de destruição nas comunas de Pétange e Bascharage, causando feridos e danos materiais numa área onde habitam milhares portugueses.

O BOM DIA esteve dias depois nas ruas mais afetadas de Pétange e pode testemunhar os estragos causados pela intempérie, assim como os trabalhos de reconstrução e limpeza que estão a ser desenvolvidos tanto pelos populares, como pelos agentes de proteção civil.

Sílvia Cordeiro e João Carvalho, um casal português emigrado no Luxemburgo há oito anos e residente na Rue de La Liberté de Pétange, contou ao nosso jornal os momentos de pânico que se viveram no dia da catástrofe.

“Estava no trabalho, a sete quilómetros, quando senti uma ligeira tempestade, mas nunca imaginei que pudesse acontecer algo tão terrível”, explica, emocionado, João Carvalho. “Assim que recebi um telefonema da minha mulher, pedi autorização no trabalho e vim para casa. Assim que cheguei, já não podia passar por lado nenhum. Era um cenário de guerra”, continua João, referindo-se às ruas bloqueadas pelos escombros e destroços arrancados pelo vento.

O jardim e o telhado sofreram os maiores danos naquela habitação, adiantou o casal enquanto mostrava os edifícios vizinhos, “cerca de cinquenta afetados num raio de 100 metros”, completou João.

Ao longo da entrevista, Sílvia e João fizeram questão de frisar o apoio de “portugueses, franceses, alemães, luxemburgueses, entre outros, vindos de todo o lado para ajudar. As pessoas mobilizaram-se, arregaçaram as mangas e, em menos de duas horas, a rua estava limpa”.

“Penso que, apesar do choque, a prioridade das pessoas não eram as casas delas, porque a destruição era tão grande – tetos, telhados, carros -, que elas só se preocuparam em vir para a rua ajudar. As pessoas que estavam no café vieram para a rua, pegaram em vassouras e pás e começaram a ajudar”, louvou Sílvia Cordeiro, que não estava em casa aquando da passagem do tornado, mas que teve a oportunidade de assistir a um espírito de entreajuda sem precedentes.

“Só após a chegada dos bombeiros (cujo trabalho é muito enaltecido pelos populares afetados), é que os presentes se começaram a preocupar com as próprias casas”, continuou Sílvia.

“Tentámos limpar o jardim o máximo possível, mas há em todo o lado pedaços de ardósia que saíram dos telhados”, lamentou novamente o casal enquanto mostrava ao BOM DIA a parte traseira da própria casa. Foi neste local que as nossas câmeras captaram a estrutura de um telhado em ferro de “cerca de uma tonelada” pertencente a “uma casa situada a 150 metros daqui”, explicaram.

“Esta é uma região de casas que neste momento estão habitadas, mas o meu vizinho e as pessoas que vivem com ele (entre as quais a esposa, dependente de uma cadeira de rodas) estão em Portugal. A casa deles é como se fosse minha e estamos a cuidar dela e dos seus animais. Os nossos vizinhos queriam vir mas ainda não têm condições, portanto convencemo-los a ficar lá mais duas semanas”, reforçaram.

Quando questionados sobre o papel das seguradoras e demais serviços de proteção civil, Sílvia e João recordaram os seus “excelentes esforços”, afirmando que estes se prontificaram de imediato. “Trabalharam sexta, sábado e domingo, e disponibilizaram-se a cem por cento. A seguradora dos meus vizinhos referiu que as obras têm de avançar imediatamente, pois as infiltrações estão a colocar em risco a estrutura, e disponibilizaram-se a adiantar dinheiro, se necessário”.

De seguida, João conduziu a equipa do BOM DIA à fachada principal, onde os vestígios da passada sexta-feira, dia nove de agosto, continuam bem presentes.

Na rua, escombros amontoados e viaturas danificadas confirmaram o cenário descrito anteriormente por João Carvalho, que referiu ainda que uma das suas vizinhas, octogenária, se refugiou na cave, “possivelmente um reflexo dos traumas vividos na Segunda Guerra Mundial”, concluiu o português.

Depois da visita ao casal, viramos a esquina e o cenário não melhora. A fúria do tornado parece ter decidido atacar quatro ou cinco casas seguidas, levando consigo os telhados, enquanto que à volta quem sofreu foram os automóveis e as fachadas. Vários prédios parecem ter sido cravejados de pedaços de ardósia que, como lâminas, penetraram nas paredes como se fossem manteiga. Os carros, esses ficaram sem um ou mais vidros, dependendo dos caprichos do tornado.

De ferramentas à cintura e a orientar os seus homens está António Gomes (na foto abaixo). Este português dirige uma empresa especializada em telhados e desde sábado que não para. “O problema foi arranjar homens para trabalhar, porque estamos em ‘congé collectif’ e não há ninguém”, explicou ao BOM DIA. No entanto, afirma que apesar das dificuldades, até homens de outras empresas se juntaram à sua equipa “para ajudar”. António Gomes abreviou a conversa porque “ainda não cobrimos esta casa aqui e não podemos deixá-los sem teto; imagine que venha chuva”, confessou.

Da casa onde trabalha a equipa de António Gomes, sai uma senhora lusodescendente com imensos papéis na mão. Percebemos que se trata de uma agente de seguros. “Anulei as minhas férias imediatamente”, anunciou, explicando que “não podemos fazer esperar estas pessoas”. Inquirida sobre a surpreendente rapidez das seguradoras neste caso, e que contrasta com uma certa lentidão de outros dossiês, Raquel Branco não tem dúvidas de que “todos estamos a fazer um esforço excecional porque esta situação também não é normal”.

Maria Adelina é a cliente com quem a agente de seguros falava. Esta senhora portuguesa tem ar apressado, pois tem uma reunião com os responsáveis da autarquia, mas interrompe a caminhada junto à nossa equipa de reportagem para confidenciar: “ainda estou em estado de choque; estava lá em cima no último andar a tentar fechar as janelas, mas elas estavam tão pesadas que desisti. Assim que desci, o meu telhado voou”. Sem saber o que lhe perguntar deixamo-la completar a frase para a ouvir dizer apenas que não está bem e que “cada barulho que ouço, penso que está tudo a começar de novo. Estou traumatizada”.

“Se quiserem ir visitar a casa, esta senhora tem a chave”, convida-nos Maria Adelina, apontando para uma senhora com ar atarefado e que nos avisa logo que fala mal português. Por acaso, Marylene Schleich (na foto abaixo) até fala português bastante bem e responde imediatamente ao nosso pedido para visitar a casa de Maria Adelina com um sorriso na cara, apesar do visível cansaço.

Perguntamos-lhe se é vizinha ou amiga da primeira senhora, mas descobrimos, com surpresa, que Marylene nem sequer mora em Pétange. “Vim aqui depois do tornado para ver a casa de uma família que conheço bem, pois ocupei-me das crianças há uns anos, e depois outros vizinhos começaram a entregar-me as chaves”, explica Marylene, ainda surpreendida com o sucedido mas completamente conformada com a situação. “Podem tirar fotografia mas eu nem sequer estou penteada; desde sábado que não tenho tempo para nada”, explica.

Curiosos, insistimos sobre as razões que movem esta lusodescendente: “mas, porque está aqui se nem sequer conhece os donos desta casa?”. Marylene Schleich responde sem hesitar: “estas pessoas precisam de ajuda e eu não tinha planos para as férias; olhe, são estas as minhas férias!”.

 

 

 

 

 

 

 

 

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