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Portugal – ir e voltar

Os meus colegas de secção perguntaram-me, “Did you have a good time in Portugal?”, e eu oscilei na resposta porque dizer que sim não estaria de todo correto, e dizer que não trairia toda a emoção de voltar às origens, ao solo e sol português, àquele brilho incorporado no nascer de cada dia, aos serões de amena cavaqueira na varanda com vista para o Marão, ao melhor cafezinho de todo o planeta, à comida de sabor único, apesar dos ingredientes parecerem os mesmos em qualquer parte do mundo. Talvez seja um pouco disso tudo e mais o sítio onde são consumidos, ingeridos, saboreados.

Apesar de tudo dizer que sim não seria correto porque…um certificado do serviço nacional de saúde (NHS) a comprovar que sim, que tenho duas vacinas, mais umas páginas de um “passanger locator form” porque os governos estão preocupadíssimos connosco e com a nossa saúde e por isso têm que saber para onde vamos e onde ficamos, e um teste ao covid antes de partir no avião de Manchester para o Porto, mais outro passanger locator form na vinda do Porto para Manchester, mais outro teste ao covid, e depois da chegada um outro teste do dia dois, e se juntar os papeis do aluguer do carro mais o check in do voo para os dois lados, quase que se poderia afirmar que se escreve livros com menos páginas do que aquelas que são necessárias nos dias de hoje para ir a Portugal e voltar.

A juntar a isto tudo o espectro da possibilidade de um teste positivo, no dia da ida, já com grande parte das despesas feitas e a impossibilidade de embarcar, ou positivo na volta e o confinamento.

Razões mais do que suficientes para oscilar entre o sim e o não à pergunta feita pelos meus colegas de secção.

É que apesar de tudo isso é voltar, mesmo que só por uma semana, ao nosso país, ao cantinho que nos acompanha sempre no coração, mesmo que nem sempre alguns portugueses que ficaram por terras lusas, nos tratem com o devido respeito, porque vamos para Portugal e não falamos português, ou então misturamos idiomas numa só frase. Não os culpo, porque mesmo eu que estou por terras de sua majestade há mais de vinte anos, nem sempre entendo tudo o que essas pessoas falam, e não é porque eu tivesse esquecido algumas palavras em português, porque não esqueci, apenas tenho às vezes dificuldades de as lembrar de imediato, mas sim porque essa gente nem sequer fala muito bem português, apesar de viverem toda a vida nos seus burgos.  Of course, ça va non.

Tenho curiosidade de saber, se os emigrantes em França são avecs, o que são os emigrantes no Reino Unido, os na Alemanha, Suíça etc. Será que se podem comparar aos portugueses do Porto que são Bimbos, ou os do Alentejo Chaparros, ou os Algarvios os Mouros…? Há coisas que nunca hão de mudar.

Esta semana em Portugal nem sequer foram férias. Foram outras as razões pela qual nos submetemos a tanta burocracia e tantas incertezas. Mesmo assim, eu e a minha alma gémea concordamos não visitar ninguém a não ser a família mais chegada, ou seja, mãe e irmãos, dos dois lados, e nem sequer sabíamos como reagir ao primeiro contacto com eles. Abraçámo-los, tirámos a máscara, (it’s I, Leclerc), é que vindos de um país onde a pandemia atacou com toda a força, com milhares de infetados e centenas de mortos por dia, qualquer um tem o direito de se assustar com o contacto físico.

Combinamos então que não visitaríamos mais ninguém a não ser a família mesmo muito chegada, mas…eu abri uma exceção.

Soube que o meu amigo dos tempos do ciclo preparatório iria estar em Felgueiras na mesma semana que eu. Fomos bons amigos nesses tempos de dois anos na mesma turma, e depois dos nossos 11 e 12 anos de idade só nos cruzamos uma ou duas vezes na rádio Felgueiras, por isso, sabendo que iríamos estar os dois na terra, não queria deixar a oportunidade de o ver e conversar um pouco, em claro.

Mas também sei que antes de se partir para Portugal os planos são sempre de fazer isto e aquilo, de visitar este e aquele, (em tempos normais) e depois chega o dia e o tempo nunca é suficiente para coordenar tudo isso com os merecidos dias de descanso, que são afinal, ou deveriam ser, a principal razão da ida a Portugal de férias.

Enviei-lhe uma mensagem, “Estou no café Jardim na próxima meia hora. Se estiveres por perto vem tomar um café. Se não, fica para a próxima. Quem sabe nos próximos 30 anos”.

E depois fiquei ali na esplanada do café Jardim com o meu café e as minhas águas das pedras a recordar tempos de criança, a gargalhada alegre e contagiante do Raúl Reis, (sim esse, o fundador do Bom Dia), as suas anedotas, aquela vez em que cheguei a desejar enfiar-lhe o braço pelas goelas abaixo e virá-lo do avesso, porque falhou um golo de baliza aberta, porque em vez de chutar, Deus saberá como, saltou para cima da bola como quem salta para uma prancha de surf, acabando por fazer uma pirueta no ar e cair estatelado no chão. No desfecho de tamanha acrobacia não deixou de a finalizar com uma forte gargalhada enquanto sacudia as calças e não se cansava de repetir… eu não tive culpa, eu não tive culpa…

A uma distância de mais de quarenta anos consigo ouvir com extrema nitidez essa gargalhada característica, alegre, mas não espalhafatosa, quando o nosso amigo Zé disse qualquer coisa como, “lanço-me deste cano desta árvore amando-me pelos ares e só paro no prufete…

Estava eu ali na esplanada do café Jardim muito quentinho, a recordar estas e outras peripécias do Raúl, a ouvir a sua voz da adolescência tão nítida na minha mente quando, a mesmíssima voz, talvez um pouco mais madura é certo, paira pelo lado de fora da minha mente, paredes meias com a de dentro, e por momentos fico um pouco atónito, para no espaço de poucos segundos perceber que não eram duas vozes, era a mesma voz, só que a do Raúl com 11 e 12 anos de idade se misturou com a do mesmo Raúl, mas com uma distância de quarenta e poucos anos.

Foi um momento emocionante para mim. Foram apenas uns minutos porque cada um de nós tinha os seus compromissos inadiáveis. Foram uns minutos que valeram ouro porque, depois de tantos anos aquele era o mesmíssimo Raúl, alegre, irradiador de boa disposição, o mesmo Raúl que eu recordava sempre tão vivo na minha memória.

Juro que daqui a 30 anos nos havemos de sentar, tomar café e disfrutar de umas boas horas de conversa. Há tanto para falar…

Quando os meus colegas de secção me perguntaram, “Did you have a good time in Portugal?”, oscilei entre o sim e o não, mas estes escassos minutos com o meu amigo Raúl Reis, (sim esse, o fundador do Bom Dia), pendem mais para o sim do que para o não.

Portugal, ir e voltar. Of course, ça va non…

António Magalhães    

 

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