“Portugal é um país que tem medo de enfrentar o racismo”
Os “Portuguese Cinema Days” em Berlim continuam, e o BOM DIA esteve presente na última segunda-feira em uma das sessões, que contou com casa cheia. Intitulada “Identities”, a programação incluiu duas curtas-metragens e um documentário.
“Alcindo”, de Miguel Dores, foi a última exibição da noite, um documentário narrado pelo próprio realizador e que já passou em escolas e bibliotecas portuguesas, gerando cerca de 160 debates acerca do racismo.
Alcindo foi brutalmente assassinado na noite de 10 de junho de 1995 às mãos do grupo Skinhead. Nessa noite, os Skinhead atacaram todos os indivíduos de raça negra por que passavam nas ruas de Lisboa.
No decorrer do documentário, há vários testemunhos da família, de amigos, colegas de trabalho e até do patrão de Alcindo. Na rua Garrett, Alcindo estava sozinho, não passava ninguém e foi atacado por 15 dos Skinhead. Pontapeado na cabeça e quando entrou no hospital o relatório tinha cinco fraturas no crânio.
“O 10 de junho para uns é dia de festejo, mas para outros é dia de recordar Alcindo, um dia de luto”, refere uma das intervenientes do documentário.
“Em Portugal não se morria por crimes de ódio”. Em Portugal “vive-se a cultura que não há racismo, que somos um país plantando à beira-mar, mas não é verdade”, afirma a mesma interveniente.
O documentário mostra como políticos relativizavam a situação e apesar dos trágicos incidentes, a maior preocupação era com os “gangues negros” e não com quem praticava violência.
Além da história de Alcindo, outros casos foram mencionados, como o de Bruno Candé, de 39 anos, morto com quatro tiros.
“O sistema judicial não mudou, o próprio movimento neonazi continua a se infiltrar na polícia”, afirmou Mamadou Ba, ativista. “Portugal é um país que tem medo de enfrentar o racismo”, acrescenta.
No final, Miguel Dores respondeu a algumas questões colocadas pelo público. A parte mais difícil do projeto foi a recolha dos factos porque não há muitos vídeos do dia, não há imagens do que aconteceu naquela noite. No entanto, ajudou porque conseguiu seguir a ideia inicial do documentário de fazer um “zoom-out” e relatar casos semelhantes, não se focando apenas no caso de Alcindo.
O realizador contou que, após a exibição do documentário, conseguiu perceber que “há pessoas não informadas acerca do racismo e dos acontecimentos, mas é ótimo falar dos básicos. Ouvir os miúdos na escola a dizer “disparates”, mostra que há trabalho a fazer nas camadas mais jovens”.
Após responder a todas as questões colocadas pela audiência, que foram mais de dez, todos foram convidados a continuar a reflexão sobre o tema num espaço de convívio acompanhados por uma taça de vinho do Porto.
A primeira curta, “A Place in Nowhere”, realizada por Bárbara de Oliveira e João Rodrigues, debruçava-se sobre a história de uma mãe que foi obrigada a abandonar Angola e acabou em Portugal.
“Em Angola nunca me apercebi do racismo e no Rossio senti-o”, afirmou a mãe que contava a história. Tinha acabado de chegar e não a deixaram entrar no autocarro dizendo: “preto vai para a tua terra”. Em Portugal viviam a vida que lhes era oferecida e não a vida que tinham. “Não há nenhuma preparação para a guerra, a guerra queima tudo, sonhos, valores, as pessoas transformam-se”.
“Mistida”, a segunda curta-metragem, da autoria de Falcão Nhaga, também aborda o racismo sofrido em Portugal. A história começa com uma mulher a cantar no passeio, que liga para seu filho ajudá-la com as compras. Durante a caminhada, conversam sobre o sonho de voltar para a Guiné, o preconceito que o filho enfrentava ao brincar na rua, entre outras memórias. Uma conversa sobre o passado, o presente e o futuro.