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Porque há revoltas em França e não na Alemanha?

A luta já dura há três semanas; os “coletes amarelos” começaram a protestar contra altos preços da gasolina, o programado imposto ecológico sobre o gasóleo e contra a política reformista de Macron. No princípio foi conseguiram mobilizar 282.000 pessoas em toda a França, há uma semana, segundo o ministro do interior protestaram 106.000 e agora 75.000; neste fim de semana 133 pessoas ficaram feridas, incluindo 23 policiais.

Le Figaro considera 77% dos protestos como “justificados”. Facto é que por toda a parte se nota que a Europa atingiu o clímax no favorecimento da plutocracia.

Em Paris, continuam os grandes tumultos nos protestos; certamente com muitos extremistas infiltrados que em tais ocasiões se aproveitam de manifestações pacíficas para criarem violência.

A favor dos manifestantes está o facto de governos possibilitarem a construção de mundos tão diferentes no seu meio: o extremo da riqueza e o extremo da pobreza e revela-se contra os manifestantes a infiltração de profissionais da violência. Triste é o facto de um presidente que parece viver numa torre de marfim só ouvir o clamor popular depois de alguns usarem o instrumento da violência (Deste modo a política revela dar mais valor ao instrumento do uso da violência).

Não interessa aqui distinguir entre violência boa e violência má: o que é facto é que os estados quando pretendem afirmar a sua posição económica a nível internacional tiram à boca do povo para fortalecerem as grandes empresas que são aquelas que vão concorrer com outras grandes empresas a nível internacional; isto foi o que fez o Chanceler Helmut Kohl e o que fez o chanceler Schröder e é o que pretende agora fazer Macron.

O que está a acontecer com Macron aconteceria com um outro governo que desejasse assumir responsabilidade numa União Europeia que quisesse continuar a ser como é. Macron quer que a França recupere para se afirmar com a Alemanha como eixo da UE e, para isso, tenta afinar a política social interna francesa com a alemã e, por seu lado, a Alemanha tenta recuperar no armamento para que a Europa possa concorrer com os EUA no mundo!

Macron está a tentar fazer agora na França o que os alemães já fizeram no princípio do século! Na Alemanha, durante muitos anos todos os empregados, incluídos também os do Estado, tiveram de ver contidos os seus ordenados e até direitos reduzidos, e de assistir a aumentos de salários que não cobriam a inflação. Foi principalmente devido à política nacional de Schröder – “Agenda 2010” elaborada e começada a aplicar no governo da coligação SPD e Verdes de 2003 a 2005 – o que proporcionou à Alemanha adiantar-se na concorrência com os outros parceiros europeus com as multinacionais internacionais (o que tirou à generalidade dos cidadãos beneficiou-a na concorrência internacional)! Hoje, que a Alemanha se encontra numa posição forte, já se pensa em pôr na ordem do dia o agendamento de direitos sociais então perdidos pelos trabalhadores e desempregados. (Isto nunca se daria em Portugal, pelas mãos de um governo de esquerda, como aconteceu na Alemanha, porque a esquerda portuguesa não entende de assuntos de economia nacional, contenta-se com uma política de subserviência e de subsistência popular, de que tira créditos a nível de eleições). Porém, neste emaranhado e diferenciamento de situações, o factor válido de avaliação e comparação será os níveis de vida nacionais, incluindo o dos mais pobres.

Hoje os problemas adquirem maior insuflação e tornam-se socialmente mais graves porque a geração facebookiana cada vez está mais informada apesar das campanhas, que as forças estabelecidas ou bem servidas, fazem contra ela; isto enquanto a não controlarem também! O escândalo da plutocracia é cada vez maior com a anuência da família política europeia, o que constitui um real rastilho de incêndio!

Os motivos que levaram o povo a expressar-se toscamente em Paris não provocariam tal numa Alemanha, embora esta se veja, cada vez mais complexa na sua população.

A política alemã é preventiva: daí o comportamento político e social alemão ser diferente do francês

Pelo que depreendo das relações institucionais do aparelho estatal alemão e do corporativismo liberal alemão posso estar confiante que a política alemã continuará no sentido estabilizador e fortalecedor do Estado alemão e da EU. (A discussão da política neoliberal fica para um capítulo à parte!).

Na Alemanha a relação do Governo para com a Nação e o povo é de carácter preventivo e como tal convergente enquanto que a política da França (dos povos latinos) é de carácter reactivo.

Os partidos alemães têm uma relação mais cooperativa com o Estado e com o povo; isto, ao contrário do que acontece com os partidos e sindicatos dos povos latinos, que não conseguiram ainda libertar-se da influência jacobina francesa nem de um certo espírito antigo de senhorio e de coutadas. Enquanto o alemão, para dar um passo em frente, têm de ver um quilómetro à sua frente, o latino arrisca dar o passo sem se preocupar com o possível abismo (basta-lhe olhar para o parceiro da frente como se ele fosse o criador do caminho). Por isso o Governo em conjunto com as corporações procura assumir responsabilidade de modo a o seu povo viver de estômago bem cheio prevendo já o que vai acontecer nas próximas décadas.

O método preventivo é próprio de quem domina e quer dominar a situação no sentido do bem-estar de todos. A elite tem uma consciência elevada de nação e embora com interesses próprios, quando há perigo juntam-se todos, abdicando cada qual algo da sua banha para a pôr ao serviço do bem maior que é a sociedade alemã no seu conjunto.  Esta é a diferença e a grande chance dos alemães! Na Alemanha moderna não é possível formas de combate e reivindicações do tipo jacobino francês na base de capelinhas e lojas (1). Em vez disso exercem-se ritualmente ensaios de manifestações locais que vão acompanhando as conservações a alto nível onde o Estado combina, simultaneamente, consensos com as instituições; muitas vezes são escolhidos antigos políticos como conciliadores entre as partes.

Na Alemanha a relação mútua entre Estado e corporações é respeitosa e respeitável; há como que uma cumplicidade natural! Isso ajuda a Alemanha a ser verdadeiramente grande e a ser invejada por muitos que preferem dedicar mais tempo ao canto da cigarra do que ao trabalho da formiga.

No Estado alemão dá-se uma interacção sã e produtiva com as instituições sejam elas a nível de governo, administração, partido, igreja, sindicato e organizações culturais e estrangeiras. Os partidos tradicionais, com assento no poder, consideram-se primeiramente como corporações aliadas ao interesse do Estado e do povo, assumindo o Estado um carácter mediador e só em segundo plano defenderem os interesses partidários (corporativos). Sindicatos e partidos com capacidade para responsabilidade (aqueles que até agora têm participado na governação) só desafiam o Estado até ao ponto em que este não seja humilhado nem tenha de empobrecer.

Na Alemanha as manifestações sindicais são de carácter mais social do que partidário; de resto há muitas manifestações de carácter ideológico entre partidos de extremos polares; também é uso fazerem-se certos manifestos radicais em bairros sociais ou em manifestações de implicações internacionais que envolvem participação de grupos vindos do Estrangeiro como tem acontecido em Berlim e em Hamburgo!

Para os alemães e suas instituições, um Estado pobre significaria um povo pobre e disso estão conscientes os partidos, a religião e os sindicatos que em vez de rivais se consideram como agentes complementares; por isso não atuam tão irresponsavelmente como em países latinos onde talvez o desconforto é maior e por isso também se tornam naturais tais extremismos! Em questões de previdência e de previsão os Estados latinos têm de aprender alguma coisa com os nórdicos.

Do feitio português

Nos meios de comunicação social portuguesa, que ainda não acordou para o que se passa em economia, e pouco se dá conta do que acontece realmente em Portugal, muitos comentadores portugueses relatam os exageros dos Champs Elysées, com um espírito que deixa antever algo nostálgico de alguns ressentimentos que os revolucionários portugueses, depois do golpe do 25 de Novembro reservam para o Bloco de Esquerda.

Em Portugal urge uma opinião publicada que se articule em termos de racionalidade e responsabilidade cívica, económica e nacional.

Comungamos muito do jeito francês embora tragamos nos nossos genes galaico-portugueses muito da herança germânica goda.

Temos de nos aproximar, da estratégia, do jeito europeu nórdico para não continuarmos presos ao estilo de articulação afrancesada, como se ainda não tivéssemos passado além do século XIX e princípios do século XX.  Portugal sofre aqui de uma pesada carga de que são responsáveis as nossas elites (principalmente políticas) que se têm contentado em ser administradores de um Portugal tornado fazenda de interesses estrangeiros (principalmente a partir das invasões francesas). Chega-se a ter a impressão de que os nossos políticos se contentam em viver bem à custa do povo à imagem dos gerentes de outrora de vinhas e vinhateiros do Douro ao serviço dos ingleses. Portugal precisa de se repensar e as suas elites começarem em parte como os alemães a adoptar uma política preventiva para que o povo alcance o brilho de quando era grande.

António Justo

(1) Embora, em tempos de globalização, surgirão grupos violentos que operarão ao modo dos jihadistas que tratarão de se apropriar-se das reivindicações das manifestações populares para fazerem o seu jogo de desconstrução da sociedade, servindo-se do apoio dos seus irmãos “revolucionários mercenários” de vários países.

 

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