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Deu mais uma volta no jornal, releu a necrologia, procurou caras conhecidas, fez o Sudoku nível médio e pensou, como era excelente estar numa cadeira do jardim do Jardim da Sereia, a apanhar um sol matinal na cabeça careca numa manhã de Inverno. Poucos prazeres lhe davam maior gozo e tranquilidade.

Despiu o casaco, tirou uma foto para partilhar numa rede social e deleitou-se a pensar num conjunto de factos que o inquietavam. Talvez vícios profissionais! O curso de Direito ficou a meio mas enveredou por uma carreira de pouco sucesso como detective profissional. O dinheiro não lhe fazia falta, era um “arremediado de meia-idade”. Felizmente os seus pais morreram há cerca de dois anos e a morte dos ascendentes deu-lhe alguma capacidade financeira através de umas casas arrendadas na Baixa de Coimbra. Não era muito dinheiro, mas era uma pessoa poupada. Se lhe faltava para as obras, pedia um financiamento ao seu amigo de infância Gonçalo Maria Resende que nadava em dinheiro.

A notícia que mais lhe despertou interesse, era a de que no dia anterior um pequeno comerciante da Baixa de Coimbra tinha sido assassinado. Era o terceiro nas duas últimas semanas! Todos tinham sido assassinados com uma faca, a mesma em todas as situações, os mortos estavam despidos da cintura para baixo, de rabo para o ar. Entalado entre as nádegas estava um bilhete onde estava escrito “Tiraste o bilhete do cu para saberes que a próxima vítima és tu”. Sem dúvida que seria um ou mais assassinos com sentido de humor negro!

José Santos era, detective profissional, que fazia o que lhe encomendavam. Quase todos, caso de pesquisa e prova de adultério encomendado por mulheres e homens ciumentos, tentando reunir provas que os cônjuges eram adúlteros. José Santos parecia-lhe um nome muito discreto, excelente para um detective.

Era uma profissão divertida, dava para soltar alguma adrenalina, sentir que não poucas vezes, os clientes se sentiam desiludidos pelo trabalho e conclusões retiradas. Duas vezes apanhou tareias de homens que denunciou, mas era estimulante! Noutra concluiu eu concluiu que a fulana era de tal fora beata que escondia do marido todas as idas à missa. Frequentava todas as realizadas na igreja de S. José.

Mas agora estava na altura de pedir, como habitualmente, um carro emprestado ao Gonçalo Maria. Eram amigos e o Gonçalo tinha muitos carros, alguns discretos como é exigível a quem anda espiar. “Muito diferente do 007”, narrava de vez em quando. A situação actual obrigava-o a ir no dia seguinte a Lisboa tratar de mais um caso, de uma mulher desconfiada do marido.

A única diferença, para além do pagamento adiantado e no fim do serviço, esta senhora queria pagar um adicional como prémio, no caso de prova fotográfica ou em vídeo da infidelidade do marido. O mais aborrecido é quando não pagam o combinado no final do serviço. Não pagam porque alegam que o serviço foi mal efectuado. Muitas das vezes, lamentava, que os ciumentos parecem que ficam ainda mais infelizes quando nada se descobre, mas sentem-se realizados quando provam que tinham razões para o seu ciúme. De qualquer forma, tinha ter cuidado com prémios e últimos pagamentos. É que depois, também não se pode ir para o tribunal reclamar a dívida do ciumento ou da ciumenta, há uma ética a cumprir. De qualquer forma a deontologia informal, obriga-o a não aceitar serviços de clientes que devam dinheiro a outros colegas de profissão. José Silva preferia antes a prática de avenças mensais. A prática do pagamento de metade do valor, no início do serviço, era muito dinheiro para a maioria dos clientes e isso inibia-o.

Tinha alguma dificuldade a lidar com o ciúme. Nunca fora casado, raramente namorou, uma vida dedicada aos pais, um cuidador informal. “Mudar as fraldas a uma mãe ou a um pai, é pagar uma dívida com cinquenta anos, referia ele.

– “Leva o Fiat negro, é discreto e económico, um citadino como tu!” Disse-lhe Gonçalo Maria meio a rir.
– Detesto ir a Lisboa! Até gosto de Lisboa e daquela gente, mas o cosmopolitismo irrita-me.
– Conheço-te José! Às vezes, bem demais. Ainda continuas a namorar com a Alice?
-Poucas vezes. Os filhos dela também me irritam.
– Tudo te irrita! Tens que ter paciência mano. Preciso que me faças um favor, um grande favor. Mas vai a Lisboa e amanhã falamos.
– Detesto que me adiem para amanhã o que me têm para pedir hoje.
– Mas ficamos assim. Vai para casa e amanhã falamos.

José Silva ficou intrigado, era a primeira vez que Gonçalo lhe pedia um favor. O que seria? O melhor seria não dormir sobre o assunto.

Ir um dia a Lisboa, era como quem lhe retirava anos de vida. Isto arrasa um detective. Levantou-se às 7.00h, às 7.45h arrancou e chegou a Lisboa cerca das 9.00h. Posteriormente demorou 45 minutos a percorrer cerca de 10 km até chegar a Telheiras.

Aqueles problemas, que referem na rádio sobre o trânsito em Lisboa são mesmo verdade, ao contrário do famoso trânsito complicado na Rotunda do Portugal dos Pequenitos em Coimbra. O condutor lisboeta não consegue estar muito tempo na mesma faixa de rodagem, vão para a esquerda, depois vão para a faixa da direita, depois regressam à esquerda, mas aparentemente sem ganhar vantagem nenhuma dessas manobras, mas pelo menos é um entretém. Depois adoram conduzir ao mesmo tempo que falam ao telemóvel, auricular no ouvido fazendo do automóvel um pequeno escritório. Entretanto buzinam ao do parolo porque anda perdido no meio desta festa e ficou parado na bicha a pensar para que lado há-de ir.

Chegou ao local de destino, contou a sua aventura e riem-se muito quando confunde “Rio de Mouros” com “Casal dos Moinhos”, e ficam espantados quando diz que é tudo o mesmo e que os nomes, são muito semelhantes. Claro que são semelhantes! Também quando está em Coimbra, confunde sempre Ribeira de Frades com São Paulo de Frades.

Teve a reunião com a senhora. Era uma reunião diferente. As reuniões servem para meia dúzia de fulanos fazerem diagnósticos de situações, definirem estratégias, planos de actuação e modos de intervenção. Normalmente, passados uns meses, tudo continua na mesma, mas pelo menos, está feito o diagnóstico.

Participar em reuniões, é uma forma de uma pessoa rever antigos amigos e colegas de trabalho e conhecer novas caras. Valem pelo convívio, apesar das reuniões serem eventos sérios. Fazem lembrar os velórios, em que se entra cabisbaixo e solidário com a família enlutada e depois acaba tudo em grande “galhofa”, à porta do local do velório com amigos que já não se via há muito tempo.

A reunião que José Silva teve com a cliente, foi diferente porque o negócio é o desespero e ciúme. E um bom detective sabe escolher os clientes. Pareceu-lhe que a senhora necessitava mais de um psiquiatra do que de um detective. Era um assunto para esquecer.

Chegou a ser vendedor de seguros, onde as reuniões são sérias, principalmente se forem realizadas em Lisboa, afinal, a capital de Portugal. Nas reuniões todos apresentam soluções, descobertas fantásticas e sobretudo, nunca ninguém é culpado quando a situação descamba.

A partir de um determinado momento, um a um, começam a fazer desenhos no caderno que levam para a reunião, desenham patos, carros, e novos logótipos para a empresa. Não se envergonhavam, principalmente quando observam os cadernos dos seus interlocutores e também estão todos desenhados dando a provar que as reuniões são uma excelente forma de hipocrisia do acto de trabalhar.

José Silva, o humor não é o seu forte, nem a descrição nem a profissão o permitem mas, em tom de brincadeira, referiu que deveria haver galerias de Arte apenas reservadas a desenhos efectuados em reuniões de quadros de grandes empresas.

Fez o que tinha a fazer e acabou por ir almoçar à cafetaria, onde tinha bebido anteriormente uma bica e que agora se transformou, num restaurante a seis euros o prato, café e uma bebida incluídos! Essa capacidade de adaptação das cafetarias aos horários biológicos dos clientes é um assunto fascinante e intrigante. Nesses “cafés-restaurantes”, o ambiente é multifacetado e percorre a sociedade portuguesa de uma forma transversal, tanto lá almoça o pobre como o rico, o “moedinha” como gestor de empresas, partilham a mesma mesa e trocam meia dúzia de palavras cúmplices acerca do Benfica.

Um bom lisboeta, por mais mandrião que seja, tem sempre um ar atarefado. Chegou às 10.00h à empresa por causa do trânsito, sentou-se na secretária e consultou o e-mail, reencaminhou os mais engraçados ou com as gajas mais despidas paras o grupo de amigos. Consultou meia dúzia de páginas na Internet onde se incluí o Publico e o site dos concursos públicos e resolve ir tomar um café porque está mesmo a precisar!

No cafetaria aproveita para ler a Bola e ou o Record, principalmente as notícias sobre o Benfica e depois regressa á empresa! Entretanto são 11.15h, o lisboeta olha resolve ir de novo para o seu posto de trabalho, consulta o e-mail para ver as reacções dos amigos aos e-mails que enviou.

Tem que despachar umas coisas urgentes até ao 12.30h. Vai almoçar à cafetaria que entretanto se transformou em restaurante com os colegas de trabalho, volta à empresa e vê se há novidades no e-mail. Às 14.30h resolve continuar a despachar assuntos muito urgentes, faz um intervalo para beber um café e comer um pastel de nata. São 17.30h e vai-se embora porque foi um dia “lixado”.

Algo que José Santos acha dos lisboetas, é que estão muito próximos do poder e dos centros de decisão. “No outro dia fui ao Colombo e vi lá aquele pequenito do Marques Mendes acompanhado do Herman José e da Edite Estrela” dizem eles. Achava que frases são-lhe ditas para despertar um sentimento de inveja e respeito.

Para ele que apenas consegue ver Manuel Machado a fazer compras no Continente, personalidade que um bom lisboeta nem sequer suspeita que existe, não lhes chega. Então, para impressionar, afirma que escreve num blogue”. Claro que os lisboetas estão-se a marimbar e dizem, “qualquer indivíduo, hoje em dia escreve num blogue, isso é uma moda Uma vizinha minha tem um filho de cinco anos que tem um blogue sobre charutos cubanos e tem cerca de 4.000 visitantes por dia”. Nestas conversas saía sempre desanimado!

Lisboa não era para ele. Muita gente, muito ruído, muito trânsito. As pessoas eram muito interessantes, simpáticas e ele que nem tinha alma de camponês, sentia-se um pouco provinciano e complexado.

Estava no momento de regressar a Coimbra. Era necessário devolver a viatura a Gonçalo Maria.

Não convinha abusar e estava curioso em que poderia ser útil ao seu amigo de velhos tempos. Talvez pelo facto de terem feitios opostos, fosse a razão para serem tão amigos. Gonçalo era rico, alto, um homem bonito, simpático, altamente apreciado pelas mulheres, muito culto e inteligente. Conhecia meio mundo e falava diversas línguas. A única circunstância que os unia era o facto de nunca terem tido ambos, uma mulher para a vida. Um por excesso de mulheres e o outro por defeito.

 

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