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Pery Ribeiro: o equilíbrio da maturidade

Poucos sabem que foi Pery Ribeiro quem pela primeira vez gravou Garota de Ipanema e que sua discografia, com mais de 60 títulos, o projetou mundo afora. Filho de dois mitos da música popular brasileira, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins, subiu ao palco pela primeira vez aos quatro anos de idade. Em quase sete décadas de carreira, construiu sólida carreira marcada por larga consagração junto ao público e à crítica.

Esta entrevista, publicada originalmente pela extinta revista Verbo21, de Salvador, foi uma das últimas que Pery concedeu à imprensa, em novembro de 2011, três meses antes de falecer, aos 74 anos, em 24 de fevereiro de 2012.

O desejo de ser cantor surgiu em que momento de sua vida? Algum estímulo de seus pais neste sentido?

Quando eu era cameraman da TV Tupi e comecei a trabalhar nas apresentações de grandes vozes masculinas da época, como Cauby Peixoto, Orlando Silva, Silvio Caldas, Dick Farney e Lúcio Alves. Meus pais nunca me estimularam, apesar de minha mãe sempre dizer “Pery nasceu pra ser artista”. E meu pai, pelo contrário, queria que eu fosse militar (risos).

Seu nome é sempre associado aos primórdios da Bossa Nova, sobretudo ao fato de ter sido o primeiro cantor a gravar Garota de Ipanema. O que considera a maior contribuição da Bossa Nova para a música popular brasileira?

A Bossa Nova foi – e continua sendo – o maior movimento musical de todos os tempos em nosso país. E colocou com seus talentosos compositores a música do Brasil em total destaque no mundo inteiro.

Aspecto importante em sua carreira tem sido divulgar nossa música no exterior. Conte-nos um pouco de suas experiências cantando fora do Brasil, desde os anos 60. Foram experiências enriquecedoras e me mostraram o respeito e a admiração das platéias e de importantes músicos estrangeiros pela nossa música, principalmente pela Bossa Nova.

Foi a Bossa Nova que me deu a oportunidade de ir para o México, onde vivi por dois anos cantando música brasileira. E depois aos EUA, onde vivi por quatro anos, nos anos sessenta, trabalhando com nomes como Henri Mancini, Burt Bacharat, Johnny Mathis e Sergio Mendes, com quem montei o grupo Bossa Rio, onde eu e Gracinha Leporace éramos os solistas, e juntos excursionamos pelos EUA, Europa e Japão. Dessa época, tenho discos lançados no México, Estados Unidos e Japão.

Como foi lidar com a dura experiência de vida de seus pais? Alguma marca que lhe tenha ficado para sempre? Escrever um livro sobre eles foi alguma necessidade de exorcizar lembranças dolorosas?

Depois de tudo que vivi, não me presto a qualquer julgamento de meus pais. Com eles aprendi a ver a beleza da vida. A ver música em cada som. Em meio ao sofrimento deles, aprendi a ter e oferecer perdão. Talvez, esta seja a palavra mais importante em toda a minha vida com os dois: perdão.

Tem alguma explicação para as coincidências trágicas nas vidas de artistas excepcionais como Edith Piaf, Dalva de Oliveira, Maysa, Elis Regina e, mais recentemente, Emy Winehouse, dentre tantas outras tão prematuramente desaparecidas?

Não sei se são coincidências. O que percebo é que um ingrediente básico para compor um mito é a tragédia. E isto sim, é um ponto em comum na vida dessas estrelas.

Concorda que a mídia tem destinado grande espaço a figuras de pouco relevo e talento no campo musical e esquecido de nomes de fato relevantes, contribuindo para um crescente empobrecimento de nosso cenário musical? Se positivamente, a que atribui isso?

É um fenômeno mundial, não acontece somente no Brasil. Há realmente um crescente empobrecimento da arte musical e, consequentemente, os novos e bons talentos não vem à tona, o que impede a renovação de nomes brilhantes como os dos anos 50, 60 e 70. É bem claro que, a partir dos anos 80, começamos a nos ressentir de novos valores à altura dos ídolos das gerações anteriores. É um assunto muito complexo, mas basicamente vemos que a partir dos anos 80, a massificação da mídia passou a nivelar por baixo toda expressão musical brasileira. Nos anos 90, assistimos à mudança do eixo musical do Rio para Salvador, com a forte chegada das bandas baianas, época do estouro da ótima Daniela Mercury, trazendo o que brincamos ao chamar de “música pra pular brasileira”. Em meio a tudo isso, a tecnologia nos trouxe facilidades para uma produção mais independente, o que beneficiou bastante a música instrumental, que vem crescendo e ganhando um espaço de destaque no Brasil.

Como analisa a minissérie da Rede Globo que biografou seus pais? Não teria o gênio artístico dos dois cedido mais espaço aos conflitos conjugais que viveram?

Com certeza, e é natural que num veículo que tem cinco novelas diárias, o drama – e o apelo que ele contém – tenham deixado em segundo plano a maravilhosa criação musical de meus pais. Considero que o resultado geral foi muito digno e bem realizado, tendo emocionado o Brasil inteiro e trazido para agora os nomes de Dalva e Herivelto, despertando nos jovens a admiração por esses grandes ídolos. A minissérie recebeu um grande investimento na sua produção musical: a abertura onde canto com minha mãe teve arranjo especialmente desenvolvido com orquestra. E os shows mostrados foram gravados no tradicional Hotel Quitandinha, em Petrópolis, com direção da aclamada dupla dos grandes musicais da atualidade: Charles Moeller e Claudio Botelho. A interpretação da Adriana Esteves foi comovente e a do Fabio Assunção, como de todo o elenco, foi excelente. Por tudo isso, é que a minissérie foi indicada ao Emmy, o mais importante prêmio internacional de TV. Fico muito feliz por ter detonado esse processo de resgate ao ter lançado, anos atrás, o meu livro Minhas duas estrelas, dedicado a minha vida com meus pais, e escrito em parceria com Ana Duarte.

Com que projetos está envolvido atualmente? Por que razão o musical Viva Dalva!, de cujo elenco faz parte, ainda não teve temporadas mais extensas no país?

Atualmente os artistas brasileiros estão sempre envolvidos com projetos e em busca de patrocínios para viabilizá-los. E esta é a razão do Viva Dalva! não estar viajando pelo país: falta de patrocínio. É um musical que traz uma boa amostragem do Trio de Ouro, que marcou a carreira dos meus pais. Fico feliz de participar sempre que tenho tempo em minha agenda, a convite da diretora Fátima Camargo. Estamos trabalhando na comemoração dos 100 anos de Herivelto Martins que acontece em 2012. E pretendo gravar um dvd dedicado a meus pais, Herivelto e Dalva, com acompanhamento de orquestra sinfônica, para celebrar essa minha herança maravilhosa.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

 

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