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Os ténis estão a conquistar o mundo

Eles são os protagonistas da revolução mais importante que os nossos armários testemunharam desde a chegada das calças de ganga. Os ténis são um fenómeno global que abrange todas as idades, estilos e classes sociais e cujo uso foi normalizado desde os ginásios até à gala dos Oscars. Elevados à categoria de símbolo de identidade, ultrapassam lentamente os sapatos e saltos altos e convertem-se no motor económico das marcas mais exclusivas, ocupadas actualmente numa competição implacável para lançar o “it sneaker” da temporada: o último grande objeto de desejo.

Em Março deste ano, a Chanel apresentava a sua coleção outono-inverno 2018-2019. Na primeira fila, figuravam clientes multimilionárias, directores das mais prestigiadas revistas de moda do mundo, compradores de lojas multimarcas ou department storese várias celebridades. Tudo normal, excepto que, para além das suas carteiras de 6 mil euros e de nos pulsos sobressaírem relógios que custam o mesmo que um carro de gama média, todo um catálogo de ténis se apresentava: desde os desportivos Nike a modelos da marca que estava a desfilar, a 800 euros o par. E apesar da presença de alguns saltos stiletto, uma rápida visão geral confirmava que os ténis dominavam a primeira fila. Porque, embora há já alguns anos os ténis tenham deixado os ginásios para conquistar a rua, agora eles são mais “cool” do que nunca. E também o mais novo “motor” do sector de luxo, onde todas as marcas competem ferozmente para que o seu seja o sneaker do momento.

Olhe para o seu próprio guarda-roupa. Repare no Metro ou na rua. Agora, atente às estatísticas: as vendas de ténis cresceram 10% no ano passado, chegando aos 30.000 milhões de euros, enquanto as carteiras – até agora as rainhas dos acessórios – fizeram apenas 7%, de acordo com a consultora Bain & Co. Estamos a participar da “tenização” da sociedade: uma tendência que veio para ficar e que transformou não só a estética global, mas também toda a indústria têxtil, tal como na sua época o fizeram os jeans.

Este fenómeno também constitui a ponta de lança de um outro poder global: a ascensão do desporto e do streetwear, fazendo triunfar desde uma Prada a uma Zara entre o público. Por outras palavras, a tendência para uma maneira cada vez mais informal de se vestir, da cabeça aos pés. Como qualquer outro marco na história da moda, o boom dos ténis é grande porque se espalhou transversalmente. O seu uso normalizou-se entre todas as faixas etárias, estilos e classes. Desde uma competição de skate até à assembleia de accionistas de uma start-up.

Eles são usados por crianças e avós, devido ao seu conforto. E não distinguem géneros. Por exemplo, as mulheres entre 30 e 50 anos, as mais relutantes, mas também o nicho de consumidoras mais poderoso, têm sido fundamentais para a sua expansão. Um facto algo irónico, tendo em conta que elas foram justamente as que conseguiram que os ténis ultrapassassem os limites definidos pelas suas áreas tradicionais de influência: desporto, juventude e música. Assim, os ténis passaram a entrar nos armários de muitas mulheres devido aos ginásios, mas começaram a ganhar cada vez mais espaço dentro deles através das passarelas e das páginas de revistas, que, pouco a pouco, lhes foram mostrando que elas podiam usá-los e estarem impecáveis com um vestido comprido ou um colar de pérolas, num jantar, num encontro ou a passear o cão.

No ano passado, pela primeira vez, a compra de ténis streetwear cresceu mais do que a de calçado técnico: 9% contra 8,4%, segundo dados da Euromonitor International. E a venda de sapatos de salto alto caiu 12%, enquanto a dos ténis femininos cresceu 37%, de acordo com outros estudos. De facto, quando se vê as modelos com ténis nas passarelas, percebemos, sem dúvida, que eles vieram substituir os saltos altos como sapatos de moda e isso, por si só, constitui um marco.

Os ténis também agitaram a moda masculina. Durante 2017, a loja online Mr Porter – uma das maiores do mundo – multiplicou as suas vendas neste campo por quatro. Isto porque ao longo da história, os homens têm reprimido a sua personalidade no vestuário, mas o desporto deu-lhes a oportunidade de expressar a sua individualidade de forma mais fácil e eficiente, sem comprometer a sua aparência. Por isso, cedo, as sapatilhas tornaram-se o equivalente masculino para a “it bag”, aquela carteira que a cada estação é a mais desejada e funciona como um símbolo de status. Hoje, consegue perceber-se se um homem gosta de moda ou não por causa dos ténis que usa: ele pode usar jeans e uma camisa preta, mas os seus ténis são uma afirmação e marcam a diferença.

Nesta última fase da sua invasão global, os ténis tornaram-se um dos principais motores e esperanças da indústria do luxo, que presume ser baseada na tradição, artesanato e exclusividade. Da Chanel à Louis Vuitton, passando por Dior, Valentino ou Balenciaga, todos competem ferozmente pelo lançamento do “it sneaker” da temporada. E não apenas isso. Hoje, não se considera que um designer de moda tenha triunfado até o mesmo conseguir lançar um ténis icónico, o que aumenta as vendas e o posicionamento da marca.

Os ténis como calçado de luxo não se trata de um fenómeno novo, mas tem tido um crescimento exponencial. Em 2013, o designer Raf Simons transformou a sua colaboração com a Adidas num prodígio de vendas. Um ano depois e à frente da Dior, lançou ténis bordados com cristais que revolucionaram o sector. A partir daquele momento, as reinterpretações desses modelos por falsificadores e marcas de baixo custo dispararam, popularizando esses projectos de vanguarda.
Mais tarde, em 2016, a versão da marca Vetements dos Instapump Fury da Reebok (cerca de 600 euros) deu o pontapé inicial na corrida pelo “it sneaker”. E neste inverno, a Louis Vuitton subiu a parada ao abrir uma loja efémera no Soho, em Nova Iorque, dedicada exclusivamente à sua colecção desportiva. Uma decisão que deixou clara a importância desta área de negócio na centenária maison. Mas, se ainda houvesse alguma dúvida, convém lembrar que em Março passado a casa francesa nomeou o americano Virgil Abloh de director criativo da sua linha masculina, famoso, entre outros talentos, pelas suas bem sucedidas colaborações anteriores com a Nike e a Converse. E mais recentemente, foi veiculado o anúncio que a mítica Anna Wintour protagonizou para a Nike para divulgar a colecção de ténis que desenharam juntas. Por um momento, Wintour abandona os seus inseparáveis “Manolos” (vem exibindo o mesmo modelo com mínimas mudanças há anos) para calçar um par de ténis com a mesma naturalidade.

Os ténis também constituem a porta de entrada perfeita para o mundo do luxo por parte dos millennials, geração nascida nos anos noventa e que o sector tenta desesperadamente entender, sabendo que, em sete anos, representará 40% do seu público comprador, com rendimentos próprios ou dos pais. Sem negligenciar a influência significante nos consumidores mais maduros e supostamente clássicos, pois os de 50 anos querem parecer-se com os de 30…

Portanto, vão-se continuar a fazer e a usar saltos altos, claro, mas uma vez que o conforto tenha sido provado, será mais difícil resistir. É como a mala de viagem com rodas. Como poderíamos viver sem ela? Talvez esta febre possa baixar, porém todos – especialistas, indústria e marcas – concordam que não se trata de uma moda passageira, mas sim de um caminho que já não se pode deixar de fazer.

(feito com base num artigo do El País)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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