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Os municípios e a relação paradoxal com a emigração

© Luís Cruz / BOM DIA

Toda a região Centro e Norte do país está particularmente marcada pela emigração, que a partir da década de 50 do século passado pode ter diminuído de intensidade em alguns momentos, mas nunca deixou de existir.

Esta é, portanto, uma realidade estrutural que caracteriza a identidade de praticamente todos os concelhos. E, no entanto, uma grande parte deles têm com os seus conterrâneos
residentes no estrangeiro uma relação paradoxal, como se vê pelo facto de as suas necessidades ao nível dos serviços municipais terem estado praticamente ausentes dos programas e campanhas eleitorais.

Basta referir que o acréscimo do rendimento disponível dos habitantes das freguesias, os investimentos e a atividade económica, a recuperação do património e de habitação, o apoio às instituições sociais e recreativas e os atos de solidariedade são ações muito características dos residentes no estrangeiro, vitais para a sustentação de milhares de famílias e a revitalização dos territórios.

Substituem-se muitas vezes àquilo que os municípios não conseguem fazer, são fundamentais para uma melhor qualidade de vida de tantos idosos com pensões baixas e
nunca falham quando uma tragédia acontece, quando há incêndios ou cheias destruidoras.

E, no entanto, esta realidade tão presente foi praticamente ignorada nas campanhas e
nos programas eleitorais para as autarquias.

O possível argumento de que isto acontece porque não votam nas eleições locais não podia ser pior, porque revela uma falta de reconhecimento e ingratidão insuportáveis.

Ainda por cima porque agora, com a facilidade da mobilidade e os bens e atividade nos dois
países, já não vêm só para as férias grandes, Natal ou Páscoa, mas voltam ao país muito mais vezes ao longo do ano.

Sobretudo nas regiões Centro e Norte, não há quem não tenha um familiar que já emigrou ou que tenha regressado depois de anos a trabalhar no estrangeiro. Além do mais, são portugueses ou lusodescendentes que mantêm uma ligação muito forte às suas raízes e têm sempre uma grande apetência para investir na sua terra de origem ou na dos pais.

A existência dos Gabinetes de Apoio ao Emigrante, que começaram a ser criados em 2002 e existem em funcionamento em perto de 150 municípios, não é suficiente para a criação do vínculo com os residentes no estrangeiro. Até porque alguns funcionam de maneira relativamente deficiente, embora outros também tenham serviços de qualidade, que vão para além do mero fornecimento de informações em período de férias em matérias como impostos, segurança social, educação, legalização de viaturas ou investimentos.

Seria muito importante que também em períodos eleitorais mostrassem preocupação com os
seus conterrâneos no estrangeiro com políticas municipais para eles.

Como se não bastasse este distanciamento incompreensível, há câmaras que desaproveitam totalmente o potencial de investimento no concelho dos residentes no estrangeiro com burocracias intoleráveis, por vezes mesmo o desesperante pequeno poder de alguns funcionários que, em vez de os ajudarem a resolver os problemas, só lhes complicam a vida, levando tempos intermináveis para a aprovação dos projetos e das autorizações, o que é um grande obstáculo ao próprio desenvolvimento local e ao combate ao despovoamento.

Seria, por isso, da maior importância que os municípios ganhassem consciência de que todos perdem quando as inércias se instalam e a falta de consideração e respeito pelo tempo e dinheiro é recorrente, desperdiçando o importante contributo que os residentes no estrangeiro querem dar para o desenvolvimento local e para o repovoamento do país, esse problema tão dramático que vai assolando todo o interior, tornando-o cada vez mais difícil de habitar.

Paulo Pisco

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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