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O violinista

© DR

O Homem é um ser essencialmente sociável, mas cada vez mais vivemos numa sociedade em que homens e mulheres rodam à volta de si próprios na vã procura de prazeres pequenos e vulgares; cada vez mais sós e distanciados dos outros, ao lado de quem passam sem os ver! 

Neste fim de semana, tive o prazer de ir assistir a um pequeno recital de âmbito quase privado, género de acontecimento quase raro em Portugal, onde a cultura praticamente não tem lugar. Lembrei-me então de um facto diverso verdadeiro, que resolvi contar-vos, pois ele é bem o retrato desta sociedade apressada em curtir, portanto incapaz de parar e contemplar a verdadeira Beleza. Reflecte ainda como perdemos a noção de valores de autenticidade e de qualidade e nos deixamos aliciar somente pelo que nos é veículado pelos meios da comunicação e da política, uns e outros somente preocupados com o seu próprio protagonismo e poder. .

Era uma fria manhã de Janeiro de 2007. Encostado a uma parede do metro de Washington D.C., junto à escada rolante, um jovem de uns 40 anos tocava violino. Durante os 45 minutos em que as melodias se fizeram ouvir, mais de mil pessoas passaram pelo violinista àquela hora de ponta, mas somente seis se aperceberam da sua presença. 

O violinista já tocava há alguns minutos quando a primeira pessoa, um homem de meia idade, parou por uns segundos, mas logo a seguir retomou o seu caminho. Uns minutos depois, uma mulher atirou o primeiro dólar para a tampa aberta da caixa do violino. Daí a pouco, alguém se encostou à parede e ficou a escutar a música, mas entretanto olhou para o relógio e foi-se embora. 

Curiosamente, aqueles que mais prestaram atenção foram as crianças, uma delas um garoto de três anos. A mãe levava-o pela mão, mas o miúdo fê-la parar e ficou a ouvir. Não por muito tempo, porque a mãe o puxou e seguiu caminho. Enquanto se afastava, o garoto continuou, contudo, a olhar para trás, para o violinista. A mesma cena repetiu-se com mais outras crianças: queriam ficar paradas a ouvir, mas os pais arrastaram-nas dali. 

Quando o violinista acabou de tocar, ninguém se apercebeu de que o silêncio se instalara de novo, somente entrecortado pelos passos apressados de quem passava. Não houve aplausos nem gritos de “bravo!”, ninguém lhe agradeceu. Na tampa aberta da caixa do violino havia alguns dólares, dados por 20 das pessoas que passaram.

Quem era este violinista? Nenhum transeunte sabia, porque ninguém tinha divulgado. O violinista que actuou incógnito era Joshua Bell, um dos mais famosos violinistas mundias da actualidade. Interpretou seis Solos de Bach com o seu Stradivarius de 1713 – avaliado em milhões de dólares. Mas ninguém parou para o escutar! Passaram apressados porque não sabiam de quem se tratava. Se a actuação tivesse sido anunciada com antecedência, ter-se-iam juntado multidões. Não para apreciarem a beleza da música e o génio do intérprete, mas porque sabiam que era um violinista famoso… Incógnito, esse mesmo violinista não lhes mereceu sequer um minuto do seu precioso tempo! Dois dias antes, num teatro de Boston, Joshua Bell tinha tocado com esse mesmo violino e os bilhetes para o ir ouvir custavam à volta de 100 dólares.

Episódios destes têm um certo paralelismo com o mundo literário, onde as pessoas normalmente compram os livros dos que são “conhecidos”, mesmo que esses memos livros acabem na prateleira sem terem sido lidos, mas é de bom tom dizer que temos o livro do autor X. Não nos preocupamos em ver se o conteúdo é realmente bom, o importante é a celebridade do autor. 

Dulce Rodrigues

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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