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O valor do abraço

O abraço ganhou um valor extraordinário nestes tempos de distanciamento social. Tornou-se algo tão especial que só abraçamos alguém em circunstâncias muito particulares. Quase que está transformado numa memória nostálgica. Antes da pandemia era tão banal que nem se percebia como era importante. Sem abraços, estamos na frieza da distância, sozinhos contra a nossa vontade. O abraço que liberta, é agora absurdamente raro mesmo entre pais e filhos, entre marido e mulher, entre avós e netos, entre amigos de todas as cores.

O medo e a desconfiança tomaram conta dos nossos dias. E desde há um ano que vivemos assim, recuados e distantes. Na primeira fase do confinamento vivemos com muito medo. A paranoia tomou conta do nosso quotidiano. Despejávamos frascos de álcool gel até ficarmos com as mãos encardidas. Desviávamo-nos das pessoas com quem nos cruzávamos e todos eram olhados como uma ameaça.

Mas à medida que o verão ia chegando, fomos perdendo o medo e baixando a guarda. Pensávamos até que já víamos a luz ao fundo do túnel e a vida finalmente voltaria a ser mais normal. Deixámos cair as máscaras. Ficámos mais livres. Mas o verão passou e as escolas reabriram e o teletrabalho diminuiu. E afinal começámos a perceber que o pior ainda estava para vir.

O abraço voltou a ficar distante e ameaçador. O olhar e a linguagem corporal erguem muros numa ilusão de segurança. Ficamos todos mais pobres sem o calor dos abraços. Percebemos hoje melhor como são tão preciosos nas nossas vidas. Ter medo de abraçar a quem queremos, desumaniza-nos. Enfraquece os sentimentos.

E não ajuda nada a superar este vazio o clamor obsessivo das televisões sempre a martelar na tragédia, a repetir em redundâncias sucessivas as mesmas situações de doença, morte e pessoas entubadas. E ficamos sem perceber se é mau jornalismo ou uma forma de exorcizar o medo próprio transmitindo-o aos outros. E assim nos vamos esquecendo da vida.

Como será quando tudo isto passar? Pelo menos, temos essa certeza: há-de passar! Há-de passar como passaram outras pandemias que houve na história, ainda mais destrutivas do que esta, que há um ano nos chegou a partir de Wuhan, na China. Há-de passar e nessa altura havemos de celebrar todos os afetos que agora a pandemia nos roubou. Talvez precisemos de tempo para nos readaptarmos e para recuperar a confiança. Talvez precisemos até de fazer a fisioterapia dos abraços. Mas tal como não há bem que sempre dure, também não há mal que nunca acabe.

Nenhuma pandemia nos pode roubar a humanidade nem aniquilar os afetos que fazem parte da nossa natureza. Os abraços derrubam fronteiras, ódios, preconceitos, divisões. São sinal de paz, confiança, amor. Evocam as memórias luminosas dos tempos da inocência quando éramos adolescentes, evocam todas as memórias.

E quando os abraços voltarem, voltarão com a força do mar que não pede licença para entrar no areal da praia. E aí perceberemos melhor como eles são importantes na vida das emoções. E nessa altura, quando o abraço voltar em força e naturalidade, haverá a luz que agora nos falta nestes tempos cinzentos.

Que saudades do tempo dos abraços.

 

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