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O recolher obrigatório que a Madeira não queria

© Lusa

Às 17:30 desta quarta-feira, o telefone tocou na mercearia de Paulo Bento, na rua dos Tanoeiros, no Funchal, e, durante a conversa, insistiu várias vezes que às 18:00 já não poderia estar ninguém no interior do estabelecimento.

“Nem sequer sei o que dizer”, afirmou depois à agência Lusa sobre o novo pacote de medidas de contenção da pandemia de covid-19, que entrou hoje em vigor na Região Autónoma da Madeira, impondo o encerramento das atividades comerciais, industriais e de serviços às 18:00 e recolher obrigatório entre as 19:00 e as 05:00 durante a semana.

As novas restrições, que incluem a suspensão das aulas presenciais no 3.º ciclo e no secundário, vigoram até 31 de janeiro e resultam do aumento do número de casos de covid-19 nos últimos dias, associado à variante do vírus detetada no Reino Unido, que colocou alguns concelhos da região em situação de risco elevado.

“Por um lado, concordo, porque há abusos, há pessoas que não compreendem, que não respeitam as normas. Por outro lado, não concordo, porque já há muita gente a passar dificuldades económicas e problemas psicológicos”, disse Paulo Bento.

O comerciante, que antes da pandemia tinha licença para funcionar até às 00:00, passou a encerrar cada vez mais cedo nos últimos meses, mas, ainda assim, considera que não é dos mais afetados, pois manteve-se sempre aberto após o confinamento geral de 2020.

A pouca distância dali, na rua Fernão de Ornelas, Luís Gustavo Mendonça confessou que o novo horário imposto pelo executivo madeirense não o afeta muito, porque fecha habitualmente o ‘snack-bar’ às 19:00, como de resto a maioria das atividades do comércio tradicional na Madeira.

“Concordo com todas as medidas. Se as pessoas não cumprem as normas e os números da covid-19 não baixam, tem de ser assim”, afirmou, embora reconhecendo que a situação dos restaurantes é “bem pior”.

A resolução do Governo Regional determina que durante os próximos 18 dias os restaurantes podem funcionar até às 22:00, mas exclusivamente para a confeção de refeições para entrega ao domicílio, ao passo que todas as atividades de natureza industrial, comercial e de serviços vão manter-se também em funcionamento, com encerramento obrigatório às 18:00 durante os dias da semana e às 17:00 nos fins de semana, período em que o recolher obrigatório decorre entre as 18:00 e as 05:00.

“De uma forma global, quaisquer restrições têm toda a prioridade na contenção da pandemia, mas andam em sentido contrário com o desenvolvimento económico”, afirmou à agência Lusa Jorge Veiga França, presidente da Associação Comercial e Industrial do Funchal (ACIF).

O responsável considerou ainda que os empresários “entendem” as novas medidas, mas sublinhou que constituem “mais um prego” na difícil situação que enfrentam desde o início da pandemia.

“Todas as empresas têm urgência em ser ajudadas, porque, se não, as insolvências vão multiplicar, duplicar, quadruplicar”, alertou, salientando que é fundamental acelerar o acesso a fundos e medidas de apoio, não apenas ao nível regional, mas também nacional e comunitário, neste caso tirando proveito de Portugal ter assumido a presidência do Conselho Europeu.

A par das restrições na atividade económica, o Governo da Madeira decidiu suspender as aulas presenciais para os alunos do 3.º ciclo e do ensino secundário entre hoje e 31 de janeiro, mas os restantes níveis – creches, jardins de infância, pré-escolar, 1.º ciclo, 2.º ciclo, ensino profissional e especial – mantêm-se a funcionar de forma presencial.

“As minhas filhas queriam muito que as escolas funcionassem em regime presencial e, por isso, a que frequenta o 4.º ano ficou extremamente contente quando se confirmou que a sua escola não iria fechar. A minha filha mais velha, que está no 3.º ciclo, iniciou hoje as aulas ‘online’ com um horário completo em ‘zoom’, o que é muito cansativo e pouco motivador”, contou à Lusa Isabel Ferreira.

Na sua opinião, o benefício de as crianças irem à escola é superior ao risco de haver alguns surtos.

Contudo, não contesta a medida, embora considere “deplorável” a falta de planeamento, uma vez que a abertura das escolas em alguns concelhos da Madeira foi adiada uma semana, reabrindo depois apenas por dois dias.

Já o Sindicato dos Professores da Madeira (SPM) defende que todos os estabelecimentos de ensino deveriam encerrar.

“Achamos que se justificam as medidas e, em relação às escolas, deveriam ter ido mais além, porque, se há um risco efetivo para as crianças e para os jovens, sobretudo a partir do 3.º ciclo, há também para os mais novos e para as crianças da educação pré-escolar”, disse à Lusa Francisco Oliveira, presidente do SPM.

Além disso, acrescentou, os professores, os alunos e as famílias estão agora mais preparados para o ensino à distância do que no período de março a junho de 2020.

“Pessoalmente não gosto desta forma de ensino, prefiro muito mais as aulas presenciais e julgo que se se prolongar irá afetar o futuro académico dos alunos, principalmente os do secundário”, disse à Lusa Constança Sampaio, aluna do 10.º ano na Escola Secundária Jaime Moniz.

De acordo com os dados mais recentes, o arquipélago, com cerca de 260 mil habitantes, regista 1.284 infeções ativas, num total de 2.861 casos confirmados desde o início da pandemia, e 20 óbitos associados à doença.

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