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O rapaz da tabacaria suicidou-se

Quando me disseram que o rapaz da tabacaria,
Coitado… se havia suicidado,
Só nesse momento me dei conta que afinal ele existia,
E ao constatar esse facto, quase me senti embaraçado.

Compreendo bem que esse rapaz de triste semblante,
Que usava palavras iguais às minhas ou parecidas,
Possa de algum modo ser meu semelhante,
Por serem em muito similares, as nossas vidas.

Consigo conceder que esse rapaz da tabacaria,
Fosse vivo, e pensasse, e sentisse como eu,
Mas nunca concedi, que como eu, também ele existia,
Porque dentro de mim há um mundo que é só meu.

Por isso, a existência de outros seres como nós,
É paisagem de rua conhecida que não nos pertença,
Como se o mundo fosse nosso por nele estarmos sós,
E no semelhante haver sempre um elemento anónimo de diferença.

Não me envergonho de sentir assim,
Porque já vi que assim todos sentem,
Há em cada alma esta peculiar atitude que a mim
Me faz pensar que os que dizem o contrário, mentem.

Sofremos de uma ascendente amnésia de quem
Vive a sua vida sem dar conta dos demais,
Desatentos de que outras almas sofrem também,
Esquecidos de que, como elas, somos mortais.

Do rapaz da tabacaria de quem tão pouco sabíamos
Nos hão de passar estas reflexões filosóficas de dor,
Esquecê-lo-ão outros, tanto como nós que o conhecíamos,
E amanhã, esquecemo-lo ainda melhor.

António Magalhães

(Possivelmente Poemas)

Nota do autor; Inspirado num texto de Fernando Pessoa, do Livro do Desassossego, Bernardo Soares, Edição de Richard Zenith, páginas 266 – 267. Só um verdadeiro génio poderia ter escrito um texto assim. Refiro-me é claro, a Fernando Pessoa.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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