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O politicamente incorreto

Nos últimos 10 anos os estrategas do polo político liberal adoptaram táticas inteligentíssimas no plano cultural que lhes deram conquistas políticas de alcance esmagador. Uma das mais brilhantes foi a de conquistarem para si o “politicamente incorreto”.

Sou do tempo em que ser politicamente incorreto era falar dos temas incómodos ao status quo. Era ser irreverente. Era denunciar as ideias antiquadas que regiam a sociedade. Era fazer piadas com Deus na televisão como o Herman José e denunciar a hipocrisia da igreja católica. Era falar, quando não era conveniente, de sexo, de drogas, de racismo, denunciar a pobreza, denunciar a opressão das mulheres, tudo isto poderia ser politicamente incorreto porque era criticar “a maioria”, “o poder”.

Ofender nunca foi sinónimo de “politicamente incorreto”. Chegar a um sítio e chamar “velho” a alguém mais velho e tratá-lo por tu era só ser “otário”. Chegar a um sítio e não cumprimentar quem lá estava, ou chamar “feio” a alguém que não corresponde à norma da beleza nunca foi “politicamente incorreto”. Chamar nomes a pessoas por serem homossexuais, ou por não terem pele branca nunca foi “politicamente incorreto”.

Mas agora os novos conservadores conseguiram conquistar o território cultural onde ser politicamente incorreto é ofender os outros. Esta conquista aniquilou de uma só vez três bastiões progressistas:

1 – criou um dispositivo dentro do qual seria, segundo eles, legítimo ofender as pessoas que não são como eles, uma tal de “liberdade de expressão”, nesse processo impedindo qualquer debate de ideias sobre o tema encapsulado nessa mesma ofensa (debate de ideias no qual seriam derrotados e que assim conseguem evitar).

2 – destruiu o verdadeiro politicamente incorreto, que fazia a crítica da maioria, substituindo-o por um que critica as minorias. Se hoje alguém falar de marxismo-leninismo numa gala da TV e o justificar como estando a ser “politicamente incorreto” a cabeça de quem ouve dá um nó. Ser politicamente incorreto “de esquerda” é “fazer propaganda”. De direita “é dizer o que me apetece”. A direita tenta conquistar para si o monopólio da irreverência (a pensar nos eleitores mais jovens, que serão o futuro).

3 – a direita conseguiu desenvencilhar-se da imagem de betinhos moralistas autoritários que não deixam cada um dizer o que pensa e viver como quer, pondo ao colo da esquerda o ónus da “boa educação”:

Ser obrigado a tratar o outro com respeito, a não chamar nomes, a não ofender, a tratar os mais velhos por você, a não tratar no masculino uma mulher por esta não se enquadrar nos estereótipos do feminino, a não tratar no feminino um homem por ele não se enquadrar nos estereótipos do masculino, a não dizer palavrões, a saber cumprimentar os vizinhos, a saber dar um passou-bem, um beijinho, tudo isto passou a ser autoritarismo que limita a liberdade individual.

Porque não querem os liberais a boa educação? Porque a boa educação é um pacto social que permite à sociedade existir. É o pacto social que constrói a comunidade. Chamo a atenção para o facto de a palavra “socialismo” derivar de “sociedade”, e a palavra “comunismo” de “comunidade”. A líder liberal Margaret Thatcher dizia: “A sociedade não existe. Existem indivíduos homens e mulheres e as famílias”. É este paradigma que os liberais querem impor como o novo normal.

É a própria sociedade que é inimiga do individualismo liberal, que por isso corrói tudo o que é do âmbito coletivo. Assim, lá no âmago, a questão do “politicamente incorreto” talvez não sejam os pronomes masculinos ou femininos. A questão talvez seja que há quem não queira sociedade, porque esta é um empecilho que impõe limites à exploração económica dos outros cidadãos.

Pedro Fernandes Duarte

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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