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O irlandês que dá a conhecer o artesanato do Corvo

David T.P., 31 anos, trocou há 16 meses a Irlanda pelo Corvo, onde se dedica a preservar a tradição das fechaduras de madeira, levando a todo o mundo as peças típicas do artesanato da mais pequena ilha açoriana.

Por entre as ruas labirínticas do Corvo, que em tempos serviram de abrigo à população face aos corsários, e no meio das casas tão simétricas quanto estreitas, abre-se uma pequena oficina, onde David recorta cuidadosamente um barrote, acompanhado pelo cão.

O ruído do trabalho suspende o silêncio apaziguador da ilha mais pequena dos Açores, com menos de 400 habitantes. Lá dentro, a oficina que acolhe a sede da Aparas de Madeira exala um aromático odor a lenho.

“Adoro o trabalho em madeira. Já trabalho em madeira há 20 anos. Passei por estúdios de arte e trabalhei em vários locais, mas o que gosto é de fazer peças irrepetíveis. Já fiz muita coisa, mas, agora, o que estou a fazer aqui é algo único”, diz David à agência Lusa.

A singularidade prende-se com a preservação de uma “tradição e de uma herança” que remonta ao século XVII: as fechaduras em madeira, construídas pelos corvinos com recurso aos materiais da ilha e que serviam, sobretudo, para abrigar as casas do vento. 

Naquele tempo a maioria das casas estava destrancada. Tal como hoje.

“É uma fechadura tradicional, que existia antigamente e que ainda hoje se pode observar em vários locais. É uma peça única porque é um símbolo da confiança dos corvinos que se habituaram a viver sem roubos”, explica.

O marceneiro chegou ao Corvo em 2020, juntamente com a namorada de então, uma corvina, que conheceu na Irlanda. Rapidamente aprendeu a arte de construir aquelas fechaduras com os “velhos mestres” e não esconde o “orgulho” de ser o único a “manter a tradição nos moldes originais”.

“É uma peça icónica e muito interessante porque é feita de cinco partes, todas integralmente em madeira. É muito graficamente para mim preservar a tradição tal como era feita há séculos”, assinala, detalhando que cada fechadura demora entre dois a três dias a ser feita.

Mas David T.P. não está somente a preservar um traço identitário do Corvo. Graças à internet e aos contactos feitos com os turistas que visitam a ilha, a Aparas de Madeira está a levar as típicas fechaduras do Corvo a todo mundo.

Nos últimos meses, conta, teve encomendas da Austrália, Itália, Alemanha, França e dos Estados Unidos. 

O interesse não é apenas decorativo. É também utilitário, porque a maioria dos compradores fica “atraído pelo sistema muito simples e eficaz” das fechaduras e da respetiva chave em madeira.

“Não estamos apenas a preservar a história. Estamos a fazer história porque estamos a divulgar as fechaduras pelo mundo”.

 Cada peça é única e não existem duas iguais. O artesão produz fechaduras em vários tamanhos numa oficina onde se realizam vários trabalhos em madeira.

“Não é apenas um ‘souvenir’ [recordação]. É um bocado da história do Corvo. Não é um magnético feito na China”, ironiza, exibindo uma fechadura em miniatura transformada em porta-chaves com a inscrição da ilha.

Numa visita guiada pelo pequeno espaço, David mostra as ferramentas cinquentenárias e os vários barrotes provenientes de casas antigas da ilha que servem como matéria-prima. Tudo é feito com material local e a maior parte das madeiras são doadas.

As “pessoas não aceitam dinheiro” pelas madeiras, tal como o proprietário da oficina de carpintaria, que já existia muito antes de David rumar ao Corvo.

“O dono disto não quer dinheiro pelo aluguer. Era uma oficina privada. Ele apenas disse para eu preservar, recuperar e dar utilidade ao espaço, desde de que pague a eletricidade”, confessa, entre risos.

Face ao acolhimento dos corvinos, David T.P. sentiu-se na “obrigação de contribuir para a comunidade”, e, por isso, uma parte do valor das compras na Aparas de Madeira reverte a favor da Associação Corvo Vivo, que se dedica à valorização do património da ilha.

Além disso, o artesão também tem “partilhado os seus conhecimentos” através de formações abertas à população. As portas “estão sempre abertas” para quem quiser realizar trabalhos em madeira, assegura.

É um “dar e receber” que, no final do dia, faz David sentir-se de “alma cheia”. Tem o “trabalho que sempre quis” e está em “permanente interação com as pessoas”.

Para o irlandês de raízes alemãs e húngaras, que se define como “vagabundo” por ter vivido em vários países, o Corvo, um dos territórios mais ultraperiféricos da Europa, foi uma ilha de oportunidades.

“Ao longo da minha carreira já corri muito e já ganhei dinheiro. Se for preciso ganhar muito dinheiro, posso sair da ilha. Mas não é isso que me move. Isto aqui é diferente. Nunca sei o que vou fazer e em que condições está a madeira. É artesanal. É único. Eu amo o que faço”.

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