Certa tarde de sol doirado e surdo, em São Paulo, após almoço tipicamente brasileiro (arroz e feijão,) a avó de minha mulher falou-nos do cuidado que deve haver ao assinar documento sem ler, mesmo entregue por familiares.
A propósito, contou-nos a desdita da D. Sofia, amiga e visita da casa.
O triste caso ocorreu há muitos e muitos anos – Quantos? Não sei. Talvez noventa, cem anos? – Mas digno de ser levado ao conhecimento do leitor.
A D. Sofia era portuguesa, casada com rapaz pobre e trabalhador. Como a vida, na cidade do Porto, lhes fosse ingrata embarcaram para o Brasil.
Na cidade de São Paulo – nessa época, pacata e cheia de oportunidades, – encontraram emprego e relações. Entre os novos amigos, conheceram companheiro de infância, estabelecido com empório.
Dos frequentes encontros, e largas conversas, o amigo propôs-lhes sociedade na loja.
Precisava de ajudante honesto e amigo – disse-lhes.
Como o marido da D. Sofia tinha levado, para o Brasil, pequeno pecúlio, aumentado já em São Paulo, aceitou a generosa oferta.
Em curto prazo, o empório, tornou-se numa grande e afreguesada mercearia.
Entretanto, o marido de D. Sofia, talvez por excesso de trabalho, ficou doente, de enfermidade que o levou à morte.
Vendo-se só, sem filhos, numa grande cidade, que se ia tornando perigosa, pensou regressar a Portugal.
Andava a boa senhora a ponderar na hipótese, quando o sócio lhe disse:
– Sofiinha, o que deve fazer é ir para a sua terra, junto dos seus. O empório está a progredir. Eu guio o negócio. Mando-lhe a sua parte para lá.
Ruminou D. Sofia a ideia, como o sócio era amigo e íntimo de seu marido, assentou passar-lhe procuração.
Assim pensou, assim fez. Regressou tranquila, na certeza de poder passar a velhice sossegada e tranquila.
Decorridos meses, vendo que os lucros do empório não chegavam, escreveu ao sócio para se inteirar da razão.
Não obteve resposta. Outras se seguiram… e nada…
Aflita, consultou advogado. Este, após aturadas averiguações junto de colega de São Paulo informou-a que nada tinha a receber.
O sócio, logo que apanhou a procuração assinada, passou tudo para seu nome.
Concluiu a avó de minha mulher:
– A pobre D. Sofia acabou a vida amargurada, em casa de parentes, que a receberam por caridade.
– Eu vos aviso – disse a avó Júlia – nunca passem procuração, sem consultar advogado de confiança, mesmo que seja apresentada por parentes ou amigos de infância… O dinheiro cega os corações, mesmo dos mais honestos e amigos” – concluiu, olhando ternamente para minha mulher, a neta caçula.