O regime do contrato viager (também designado por renda vitalícia) está regulamentado no Código Civil francês há mais de duzentos anos. O termo viager significa tempo de vida, no francês antigo.
Em Portugal, este contrato de renda vitalícia está regulamentado no Código Civil, mas num prisma de liberdade contratual, nada obstará a que os interessados possam combinar regimes jurídicos distintos, negociando as condições que entenderem melhores para o caso concreto.
ENQUADRAMENTO
O regime do contrato viager (também designado por renda vitalícia) está regulamentado no Código Civil francês há mais de duzentos anos. O termo viager significa tempo de vida, no francês antigo.
Este tipo de contrato traduz um modelo especial de venda, no qual, em troca da venda do imóvel, o vendedor recebe um depósito inicial e uma renda vitalícia.
Na prática, este tipo de contratos permite que pessoas mais idosas (tipicamente reformados) vendam a sua casa, nela permanecendo, porem, até desejarem, dependendo dos termos contratualizados.
A caraterística especial deste contrato é, assim, o período de duração das rendas pagas ao vendedor – a qual é naturalmente imprevisível – o que significa que o custo total em causa não é, por regra, conhecido antecipadamente.
Em Portugal, este contrato de renda vitalícia está regulamentado no Código Civil, mas num prisma de liberdade contratual, nada obstará a que os interessados possam combinar regimes jurídicos distintos, negociando as condições que entenderem melhores para o caso concreto.
AS VANTAGENS DO VIAGER
As vantagens para o vendedor são, essencialmente, as seguintes:
- a obtenção de capital no momento da venda do seu imóvel, com possibilidade de manutenção do usufruto do mesmo
- a obtenção de rendimento adicional (prestação periódica) durante o resto da sua vida, ou durante um período previamente acordado
Assim, na perspetiva do vendedor, a renda vitalícia será uma forma de complementar o seu rendimento, por contrapartida da propriedade do imóvel, permitindo-lhe permanecer na sua própria casa, com mais disponibilidade financeira.
As vantagens para o comprador são as seguintes:
- a manutenção da responsabilidade dos encargos com o imóvel é, tipicamente, contratualizada para o vendedor, o qual, por regra, mantém o gozo do mesmo, incluindo encargos de manutenção, grandes reparações e o imposto que possa incidir sobre a detenção do imóvel (vg. o IMI)
- a aquisição da propriedade (ou da nua-propriedade) em condições financeiras imediatas é potencialmente mais vantajosa (vg. com menor capital inicial), sendo o montante remanescente diluído (possivelmente) a longo prazo
Para o comprador, uma das desvantagens neste tipo de contrato é a sua imprevisibilidade quanto à duração dos pagamentos (rendas) ao vendedor, exceto se um prazo-limite for previamente acordado.
AS MODALIDADES
Em função das condições acordadas, o vendedor e o comprador podem regular o conteúdo do seu contrato.
Em França, os tipos de contrato “viager” mais comuns são os seguintes:
1. Renda vitalícia
Neste caso, o imóvel é transmitido desocupado, e o comprador ocupa-o, ou arrenda-o, assumindo, daí em diante, todos os custos com o imóvel, enquanto proprietário do mesmo. Por seu lado, o vendedor recebe o preço sob a forma de capital inicial (bouquet) e a parte restante sob a forma de uma renda vitalícia (sem manutenção do usufruto da propriedade, como referido).
2. Renda vitalícia ocupada
Aqui a propriedade é vendida, com capital inicial e uma renda vitalícia, com usufruto do imóvel reservado ao vendedor durante a sua vida, sendo os encargos relativos à propriedade, por regra, partilhados.
3. Propriedade simples
Sendo esta uma prática mais recorrente em Portugal, neste caso, o preço é pago na sua totalidade no dia da venda, mas o vendedor conserva o usufruto da propriedade, durante a sua vida, não existindo renda.
4. Vendas a prazo
Esta possibilidade consubstancia uma forma de venda com pagamento fracionado, em que parte é paga no dia da venda e outra parte em prestações mensais durante um período limitado.
O CONTRATO VIAGER EM PORTUGAL
Em Portugal, este contrato viager não está previsto enquanto um instituto jurídico específico, como acontece em França, onde o regime tem regulamentação e enquadramento fiscal próprios.
Assim, muito embora este tipo de contrato não seja, ainda, comum em Portugal, tem sido incremental a procura destas alternativas, sendo admissível a sua contratação entre as partes interessadas.
O preço associado a este tipo de contratos pode ser pago em função de diferentes modalidades e condições, por exemplo:
- pagamento do preço total no momento da compra
- pagamento de parte do preço no momento da compra do imóvel (bouquet), acrescendo prestações sob a forma de anuidade (tipicamente vitalícia)
- pagamento de prestações mensais sucessivas, até que o total das mesmas perfaça o valor contratualmente acordado ou até ocorrer um facto que extinga o contrato (tipicamente a morte do vendedor)
No que respeita à duração do contrato, as partes podem acordar que o usufruto ou direito de habitação concedido ao vendedor, ou a duração do pagamento das rendas, sejam direitos vitalícios ou, em alternativa, tenham período limitado no tempo.
É ainda relevante ter em conta que as reparações, periódicas ou extraordinárias, bem como a manutenção, e outras obrigações podem ficar na responsabilidade do vendedor ou do comprador, consoante o que tiver sido acordado e a lei, na modalidade de contrato adequada, estabelecer.
O ENQUADRAMENTO FISCAL
Em Portugal, não existe também um regime jurídico-fiscal específico para o contrato viager, podendo esse enquadramento ser distinto consoante a forma contratual utilizada e as condições estabelecidas entre as partes.
A ausência de um quadro fiscal específico obriga a que seja efetuada uma análise específica, em cada caso, podendo o impacto fiscal diferir consoante os termos acordados e o contrato em causa.
Em qualquer caso, no momento da transmissão da propriedade e da constituição de usufruto, uso ou habitação vitalícia, deverá atender-se às regras aplicáveis no que respeita à determinação do valor tributável, para efeitos de IMT e Imposto do Selo, sendo relevante, neste âmbito, o tempo que o usufruto vai durar, sendo tal elemento determinado em função da idade do usufrutuário e da sua esperança média de vida.
Já nos casos em que seja estipulada a contratualização de uma renda, tais valores serão, em princípio, sujeitos a tributação, enquanto rendimentos prediais, devendo, na ausência de regime específico aplicável a estas situações, ser dado cumprimento às obrigações declarativas aplicáveis aos contratos de arrendamento.
Já na esfera do vendedor, por ocasião da transmissão da propriedade, deverá ser apurada a mais-valia decorrente de tal transmissão, a qual deverá ser reportada na declaração de rendimentos anual, sendo tributada, em sede de IRS (tratando-se de uma pessoa singular), de acordo com o regime legal aplicável.
CONCLUSÕES
A celebração do contrato viager é comum em França, mas está ainda numa fase muito inicial em Portugal, onde a tradição é ainda a compra e venda de imóveis com a entrega dos mesmos.
Apesar de não existir um enquadramento legal e fiscal próprio em Portugal, a celebração e a adesão a contratos desta natureza tem vindo a aumentar, mediante a presença, em Portugal, de pessoas e entidades conhecedoras da existência destes contratos no estrangeiro e, por via da conjugação de institutos diversos previstos no direito português, podendo constituir uma forma de, nomeadamente, os investidores imobiliários e as instituições financeiras disponibilizarem aos seus clientes produtos mais competitivos, ao mesmo tempo que, para os atuais proprietários, pode ser forma de rentabilização do imóvel em que habitam e de aumentar o rendimento (parco) das suas pensões de reforma.
Seria interessante que o legislador, incluindo o fiscal, estivesse também alerta para este tipo de contratos e para as suas vantagens — desde logo, como complemento de reforma de pessoas idosas — estabelecendo um regime específico para o mesmo.
***
Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Romy Alfredo Bouery
Sara Mendes Fernandes
Pedro Santos Gomes
(French Desk)
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
José Nuno Vilaça
João de Freitas Jacob
Joana Fidalgo Barreiro
(Advisory)