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“Venho para vos dizer que nunca se arrependam de um único dia na vossa vida, porque se dias bons vos trazem felicidade, os dias maus servir-vos-ão como experiência, como oportunidade para crescerdes humanamente.”

Saí para comprar tabaco, e numa brincadeira que soubesse eu o desfecho que a minha decisão em sair nesse dia iria ter, nunca a teria dito, de sorriso rasgado e cheio de malandrice à Raul Solnado, disse para a minha Eulália, “volto daqui por dezassete anos, e subitamente me lembrei de Armandinho da Cruz, que esse sim, com a desculpa de que tinha de sair para comprar cigarros na tabacaria da esquina, voltou dezassete anos depois com o nome de Armandin De La Croix e uma esposa nova.

Eu não voltei mais.

E aconteceu tudo tão rápido, tão inesperado, que a princípio nem tempo tive para perceber o que se estava a passar.

Fui de facto à tabacaria da esquina comprar cigarros. Cumprimentei o senhor António, dono da tabacaria, como sempre o fiz quando lá ia para comprar “vinte preguinhos para o caixão ó senhor António,” e demos duas de treta, como também sempre o fizemos, e saí da loja.

Cá fora, quando caminhava ao longo do passeio, parei por uns segundos para acender um cigarro, e de repente, barulho, muita confusão, pessoas a correrem em todas as direções, eu, olhando para trás, e subitamente um carro perece-me entrar pelos olhos dentro. Foi tão rápido que não tive sequer tempo para me assustar com o inesperado. Rápido, muito rápido, e o carro entrou-me olhos dentro com tanta força que nem sequer me abalroou. Trespassou-me apenas indo bater logo de seguida contra um poste de eletricidade que o segurou firme.

Passado o inesperado da situação, olhei à minha volta e vi corpos estendidos ao longo do passeio, outros entre o passeio e a berma. E vi sangue e ouvi gritos, e vi pessoas a correrem em direção aos corpos estendidos, inertes no chão. E ouvi tiros e vi policia e continuava a confusão. Falei com o senhor que se debruçou sobre um dos corpos inertes e ele simplesmente me ignorou. De facto, só lhe perguntei o que se passava, mas ele parecia não me ouvir. Sei que estava ocupado a tentar salvar uma vida, mas mesmo assim toquei-lhe num ombro, mas a minha mão parecia trespassar o ombro do homem. Ele, apesar de eu insistir, de ter até chegado bem perto do seu ouvido para lhe gritar alto e bom som, continuava a ignorar-me, continuava a não me ouvir.

Depois, ele virou o corpo que estava com a cara contra o passeio, e eu que o olhava também por cima do ombro do homem, sentindo-me mais alto do que realmente era, fiquei estupefacto quando o corpo que inerte jazia no chão, ficou de costas apoiadas no passeio. Por momentos iria jurar que conhecia aquela pessoa. Vira-a várias vezes ao longo dos anos, sempre refletida num espelho, fosse ele de vidro ou água cristalina, fotografias às vezes. Acompanhei as suas transformações físicas ao longo dos anos, como se de uma normalidade a que nunca dei muita importância, se tratasse, a não ser uma ou outra vez quando fotografias do passado relembravam momentos de uma jornada que não parava, nem sequer voltava atrás. Aí sim, relembrava as mudanças, mas aceitando o facto como uma das vertentes da vida.

Olhei melhor. Percebi que estava a flutuar e que me deslocava de um lado para o outro com uma facilidade tremenda e nada era um obstáculo. Percebi que o corpo que o homem tentava salvar, era o meu.

“Muito tarde. Está morto.” Disse.

“Ai, isso é que não estou, – gritei – tá parvinho? Abane lá o corpo mais um bocado. Ateste mais uma meia dúzia de murros no peito, e… essa coisa da boca… não precisa.”

O homem olhou as pessoas da ambulância e com ar grave disse, “Nada a fazer”.

E isso irritou-me e de que maneira. Corri para ele. Não. Voei para ele, atravessei-o de um lado ao outro, coloquei-me à sua frente tentando impedir que caminhasse ou que desse um único passo sequer, gritei-lhe, ameacei-o, usei de bons modos e até humildade, apelei ao seu bom senso e à sua compreensão em relação ao meu caso, “É que, bem vê… não é a minha vez ainda” e nada, ele não me ouvia. Os homens da ambulância meteram o meu corpo dentro de um saco, correram um fecho comprido e o homem com quem eu batalhava por atenção correu para outra vítima que jazia no chão, ignorando os meus gritos, os meus pedidos de clemência, o meu desespero.

Corri atrás dele. Uma vez mais…voei atrás dele. De repente, uma voz que não ouvi, apenas senti que falava comigo, agora um sentir totalmente diferente do sentir que se tem quando estamos num corpo físico, disse-me,

“Deixa. Não ouviste o homem? Não há nada a fazer. Anda. Está tudo bem.”

E eu, parei de voar em direção ao homem por quem eu gritava por ajuda e ele não me ouvia, e olhei para trás.

Um grupo de pessoas, entre homens, mulheres e crianças, flutuavam como eu. Pertenciam a alguns dos corpos espalhados ao longo do passeio, e entre o passeio e a berma.

Depois uma porta com uma luz forte, de um brilho que já mais vi, brilhante, mas não ofuscante, apenas serena, ficou ali à nossa espera. Qualquer um de nós, não sabendo explicar como e porquê, sentiu uma enorme vontade de voar em direção aquela porta. De alguma maneira soubemos que entrando nela, o mundo de onde vínhamos ficaria para trás e não voltaríamos nunca mais.
As crianças foram as primeiras a entrar na porta. E que serenas, que aura de uma felicidade extrema a que não atento explicar pelo simples facto de que, com todas as limitações que vos são peculiares, agarrados ao corpo que precisais para puderdes viver aí desse lado, nunca ireis entender. Aliás, há tanta coisa aí desse lado que nunca ireis entender. O vosso maior génio nunca entenderia também. Por isso, tudo o que vos transcende, num mundo onde um corpo e uma mente que depende tanto do corpo como o corpo depende dela, seria sempre uma perda de tempo tentar explicar o que quer que seja, deste lado, onde o corpo não é preciso e a mente antes de se apagar libertou aquilo a que chamais o espírito. Aquilo que somos na verdade.

Ao dirigir-me para a porta brilhante, mas não ofuscante, serena, dei uma última olhadela ao mundo. Continuava a confusão, o desespero, os gritos. Depois vi o homem que conduzia o carro que me entrou olhos dentro e me trespassou, cair tombado por uma bala da polícia.

Percebi que era o responsável por eu e os que se dirigiam para a luz, ficarmos sem vida terrestre. Foi maldoso uma vez que o fez propositadamente.

O homem maldoso saiu do corpo que jazia no chão, junto ao carro, e uma espécie de nuvem negra vindo de uma outra porta escura e assustadora, foi ao encontro dele. Envolveu-se nele e puxou-o para a porta escura e assustadora, e nuvem, bem como o homem maldoso, desapareceram nessa porta que se esfumou repentinamente assim que a atravessaram.

Entrei pela porta da luz brilhante, serena e que não ofuscava. Disse adeus ao mundo terrestre.

Pode-vos parecer estranho como é que depois de ter passado a porta sem regresso estou agora a enviar-vos esta mensagem. Nem todos os que chegam perto da porta por ela são chamados. Se não for a sua vez ainda, voltam a regressar ao corpo, e os que passam a porta, se é certo que não a voltam a passar para trás, também é certo que se podem aproximar dela para virem ao encontro de algum ente querido que a vai passar. Por isso, esta mensagem foi passada cá do lado de dentro da porta, para alguém que do lado de fora esteve perto dela, mas regressou ao corpo.

E não vos venho falar acerca do que se passa deste lado da porta brilhante, mas não ofuscante, serena, porque isso, já vos disse, cada um de vos saberá a seu tempo.

Venho para vos dizer que nunca se arrependam de um único dia na vossa vida, porque se dias bons vos trazem felicidade, os dias maus servir-vos-ão como experiência, como oportunidade para crescerdes humanamente.

Não deveis encarar as dificuldades da vida como uma ameaça que vos quer destruir, mas sim para perceberdes o potencial que se esconde dentro de cada um de vós, para ultrapassardes essas dificuldades rumo à vitoria. Mas não vos deixeis confundir a vós mesmos. É bom ter dinheiro e ter coisas que o dinheiro pode comprar, mas é necessário que de vez em quando procureis saber se com isso não perdestes coisas que o dinheiro não pode comprar e que no fundo são as mais importantes. Aquelas que vos servirão de íman que vos atrairá para a porta brilhante, mas não ofuscante, serena.
Aproveitai a vida ao máximo, e quando digo isto não vos incito à loucura, ao desvario, mas sim a que tenhais em conta que cada dia pode ser o último dia, e por isso nunca vos será de mais deixardes os que amais saberem que de facto os amais. Não precisais de dizer todos os dias, amo-te, porque as pieguices também incomodam, aborrecem, mas podeis alternar as palavras com as ações e tudo se torna melhor.

Não eviteis os amigos. Não adieis as visitas que quereis fazer, as coisas que quereis dizer, as pessoas que quereis ver, porque quando finalmente vos decidirdes a fazê-lo podeis não ter oportunidade, nunca mais.

E deixai-vos de disparates, de rancores, de vinganças mesquinhas, de intransigências ridículas. O primeiro de vós que esteja isento de pecado que seja também o primeiro a atirar a pedra, ou de outra maneira, que largue a pedra e que utilize a mão para cumprimentar num gesto de paz e perdão mutuo.
Lembrai-vos que estais nesse mundo temporariamente, e que acabando o vosso tempo, há duas portas que vos esperam. Uma é cheia de luz brilhante, mas que não ofusca, apenas serena.

A outra, é escura como breu. Essa, sou muito sincero, não faço ideia do que terá para lá da entrada. Só sei que é escura e que assusta.

A que brilha, é uma porta de entrada para uma viagem sem regresso. Depois de entrar já não se volta a sair. Não vos vou falar do que acontece depois de passar essa porta. Não estou autorizado nem sequer faria qualquer sentido uma vez que, já vos disse, qualquer um de vós, por uma porta ou pela outra, ou seja, pela porta de luz brilhante, mas não ofuscante, serena, ou pela porta escura e que assusta, terá de passar.

E ficai descansados porque nenhum de nós, os que passam a porta, volta para ver os que ficaram. Se pensardes bem, quem no seu juízo perfeito quereria voltar para ver, sem ser visto, qualquer uma das vossas intimidades? Aquilo a que chamamos pudor, e que tem de ser feito na privacidade de cada um. Quem, no seu juízo perfeito, quererá vir visitar os que ficaram e por azar apanhá-los na casa de banho a contas com uma disenteria intestinal, qual desafinada banda filarmónica composta na sua maioria por trombones e violinos agoniados. Ou por uma prisão de ventre que na sua dificuldade de circulação vos põem de olhos marejados e veias do pescoço salientes, já para não falar de uma testa enrugada e uma expressão que…valha-nos Deus… Quem quer vir ver algum dos seus entes queridos que ficaram ainda, e dar de caras com lençóis que se movem, acima e abaixo, abaixo e acima, e quando menos se espera, um entusiasmo menos comedido sacode o lençol deixando a descoberto sabe-se lá que partes desse vosso corpo e em que condições. Quantas intimidades tem um ser humano que não podem ser visíveis a outro ser humano? Acreditai que se não as podeis expor enquanto estais aí desse lado, deste, em espírito, ninguém as quer ver.

Não posso ficar mais tempo, tenho de regressar, mas antes de o fazer deixo-vos com uma mensagem que o grande filósofo Português, Agostinho da Silva, me pediu para vos transmitir, DEIXEM-SE DE MERDAS…

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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