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Nazismo, definição

Nesta reta final da minha atividade de funcionário da Comissão Europeia, tenho tido o prazer de participar em iniciativas do género «Regresso à escola», que me facultam um gratificante contacto com o meio estudantil em Portugal.

A ação «Regresso à escola» foi concebida pela última Presidência Portuguesa da UE, no segundo semestre de 2007, e consistiu, basicamente, em enviar funcionários das instituições europeias às escolas (de qualquer nível) que tivessem frequentado, a fim de voluntariamente partilharem a sua experiência profissional com os alunos atuais. O primeiro-ministro da altura, José Sócrates, foi à sua antiga escola secundária da Covilhã, o presidente da Comissão, Durão Barroso, foi ao Liceu Camões, em Lisboa. Pelo meu lado, participei em 2011 e 2013 numa escola profissional de Alte, a localidade serrana do concelho de Loulé de onde eram naturais os meus pais. Ora, existe em cada Estado-Membro uma rede de plataformas Europe Direct, por intermédio das quais se procura divulgar o conhecimento da União Europeia entre a população estudantil. E deu-se o caso de os responsáveis da Europe Direct Algarve e da Europe Direct Ponte de Lima terem achado interesse na iniciativa e, consequentemente, me terem convidado a repetir palestras do mesmo tipo, ainda que já num âmbito alheio à ação «Regresso à escola». Neste contexto, o passado mês de maio foi profícuo: uma palestra em Albufeira, duas em Faro, uma em Quarteira, uma em Almancil, uma na Universidade do Minho.

Refiro então um episódio ocorrido durante a palestra de Quarteira: o tema era a importância das línguas — designadamente a importância de dominar uma segunda língua. Citei o caso da máquina de morte planificada e sistematizada que foi Auschwitz, onde os poucos (pouquíssimos) que lograram sobreviver eram, quase sempre, pessoas com conhecimentos de alemão ou de alguma outra língua, para além da nativa, capaz de lhes facultar um melhor entendimento daquele drama. Os prisioneiros desprovidos dessa habilitação (como, por exemplo, os judeus gregos, jugoslavos ou italianos) rapidamente manifestavam uma vulnerabilidade que se revelava fatal. Foi nesse momento que um aluno me perguntou se o espírito nazi ainda estava presente na Alemanha de hoje. Respondi que sim… obviamente. Mas obviamente porquê? Porque o espírito nazi, com esse ou outro nome, está presente onde quer que existam seres humanos: na Alemanha como em Portugal, na Cochinchina como no Burkina Faso. Porque o espírito nazi, com esse ou outro nome, não nasceu na Alemanha nem foi inventado por Adolf Hitler. Aquilo que, entre 1933 e 1945, pontificou na Alemanha sob o nome de «nazismo» (forma sincopada de National-Sozialismus) foi, basicamente, a elevação à categoria de política de Estado de algo intrínseco na espécie humana: o ódio ao diferente, o desejo de espezinhar o fraco, a intolerância contra quem não partilha o nosso ponto de vista. Porque a nossa espécie não é intrinsecamente boa — é intrinsecamente má. Por instinto, a nossa propensão é dominar, controlar, subjugar. Espontaneamente, a criança não é generosa, antes egoísta, cobiçosa, tirânica. Mas, como espécie racional que somos — a mais racional de todas, se bem que frequentemente sacrifiquemos a racionalidade perante a emotividade —, sabemos criar cultura, construir sistemas de valores, padrões de conduta ética pelos quais podemos, se quisermos, pautar a nossa conduta, relegando o instinto básico a uma secundariedade.

É erro grave supor que o nazismo foi uma aberração singular inventada na Alemanha por Hitler. De inovador, o nazismo pouco mais teve do que a consagração em política de Estado de algo inerente à espécie humana. O seu germe está permanentemente em nós: onde alguém ou algum grupo se arrogue o direito de idealizar uma orgânica social da qual exclui quem não se enquadre na sua moldura (seja porque não corresponde à imagem física tida por modelar, seja porque revela uma orientação sexual execrada pelo dominante, seja porque descrê da fé metafísica que o dominante entende como religião «verdadeira», revelada por especial graça do seu «deus», seja porque pertence a uma minoria étnica que o dominante despreza, seja porque simplesmente é deficiente), há um germe de nazismo.

E não nos fiquemos por situações flagrantes e extremas: pensemos também, por exemplo, noutras a que relutamos associar gravidade excessiva, como o fenómeno a que hoje se dá o nome de bullying, endémico no meio militar e, com uma intensificação inquietante, nos meios escolares, entre adolescentes e pré-adolescentes. Ele são as praxes académicas, por vezes incluindo o deixar-se urinar em cima, autênticos exercícios de subjugação que pouco devem às lutas pela hierarquia entre matilhas de predadores; ele são os espancamentos a garotos (ou garotas) considerados não integráveis nos bandos dominantes; ele são as sessões de espezinhamento e humilhação, filmadas até para pública divulgação. Enquanto não entendermos que esta violência, não controlada pela reflexão racional, é o germe daquilo que, desde 1933, se designa por «nazismo», não entenderemos realmente o nazismo.

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