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Livros para ler (com) os avós

Têm razão os ingleses e os franceses quando chamam aos avós pais e mães grandes (grandfather e grand-mére). Assim é, de facto. Os avós são, para os netos, pais e mães maiores. Não no sentido de velhos, como se entenderia em castelhano. Não! Maiores na medida em que são uma eira, um lugar onde se pode repousar e parar. Também na medida em que não deixam que a vida lhes troque as voltas, mesmo quando são traídos pela doença ou pelo abandono. Os avós são uma instância afetiva e efetiva absolutamente crucial para o equilíbrio do mundo, tão pesado e frio. Curioso é notar, ainda, como, por razões que a razão desconhece (ou talvez não), os avós e as crianças se sentem tão irmanados e identificados. Bem diz o povo que a velhice é uma segunda infância! Quiçá seja por isso que, salvo raras exceções, se estabeleça esse laço de comunhão, intimidade e cumplicidade entre avós e netos, que a literatura em geral, e a literatura infantojuvenil em particular, capta de modo singular.

A melhor forma de homenagear os nossos avós, no dia que lhes é dedicado – 26 de julho – provavelmente será ler-lhes ou ler com eles (ou por causa deles) alguns livros que tenho a ousadia de recomendar.

1 – Meu avô, rei de coisa pouca (João Manuel Ribeiro & Catarina Pinto, Trinta por uma linha, 2011)

Deste livro, de que sou autor (e, portanto, parte interessada), escreveu Armando Requeixo, conceituado crítico galego, aquando da edição do livro em Espanha, em galego e em castelhano: «Há livros que uma vez descobertos, produzem em nós um sismo interior que acaba por reconfigurar os fundamentos do nosso mapa sentimental. São obras de que temos a certeza de que teria sido um imenso erro não as conhecer durante os anos da nossa vida, textos nos quais nos assalta a convicção de que tardaram de mais, sempre demais, para os termos lido.»

Estruturado como uma história de vida, em oito capítulos, o narrador testemunha a importância transcendental que teve o seu avô, alguém que lhe ensinou a ver o mundo, a pensar a existência e a apre(e)nder que a felicidade está nas pequenas coisas que, por sua vez, nos conduzem às verdadeiramente imensas, como o amor, a amizade, o apego à terra, a paixão por aprender e a perder os que amamos, a harmonia com todos os seres vivos e a necessidade dos sonhos e da imaginação, do carinho e da ternura – tudo isto pela mão e pela vida de um avô, rei de coisa pouca.

2 – Crónicas do avô Chico (Pedro Jardim, Chiado Editora)

Estas Crónicas do avô Chico marcaram a estreia literária de Pedro Jardim. Sendo uma obra de cariz autobiográfico, constitui-se como o relato de pequenos episódios vivenciados e contados pelo autor/narrador, durante as férias de verão, na casa dos seus avós maternos, em Vila Viçosa, no Alentejo.

Centrado na figura do avô, Francisco da Silva Jardim, a narrativa memorialística destas quinze histórias centra-se no bem que faz a uma criança as respostas do seu avô sobre a vida, os costumes do campo, as comidas da avó, as primeiras brincadeiras como o jogo do berlinde, do pião; dos papagaios de papel, da apanha de frutos silvestres, e sobretudo, da lição de vida que é um senhor alto, que não larga o seu chapéu de feltro. A par destes episódios, subsistem outros mais anedóticos, que arrancarão sorrisos ao leitor, como O gato Benfica, ou ainda A pasteleira do Galela. Acresce dizer que os textos que servem de pórtico a cada capítulo / crónica são da autoria do avô Chico, o que aprofunda o caracter (auto)biográfico da obra e, sobretudo, nos diz da marca que os avós deixam no coração dos netos, sobretudo daqueles que são escritores e não querem deixar que os avós fiquem soterrados pela poeira do esquecimento.

A linguagem simples e acessível permite que o livro seja lido, com agrado, por todos: netos e avós.

3 – Andar por aí (Isabel Minhós Martins & Madalena Matoso, Planeta Tangerina, 2009)

Neste livro, há um rapaz (de que não nos é dito o nome) que costuma andar por aí com o seu avô. Não se trata, porém, de um passeio na companhia um do outro. É algo muito diferente: o avô vai sempre à frente, entretido com os seus afazeres; o rapaz vai mais atrás, ocupado com tudo que vai encontrando pelo caminho. Aparentemente o rapaz vai quase sozinho, aquele quase-sozinho que nos faz sentir seguros e livres. A liberdade que (só) os avós consentem; seria diferente se o passeio fosse com os pais: «Não faças isto, não faças aquilo». A sorte do rapaz é «na rua também não entram mães (quando vou com o meu avô).» Com o avô, ali, mais adiante, o rapaz sente-se livre, tão livre e seguro que nem o facto de ser chamado pelo assobio do avô o incomoda. Além disso, o avô «tem sempre tempo e ter tempo é muito bom». Os vizinhos do rapaz, os vizinhos de cima, «ainda não perceberam bem a piada que é andar por aí. Se os chamo, dizem: Que está a dar desenhos animados… Que é quase hora do lanche… Que está muito vento… Ou que vem lá chuva…». Talvez porque lhes falte um avô ou, percebe-se pelo final da narrativa, a liberdade de «andar por aí» acontece porque o avô está por aí e «andar por aí é bom e dizem que só faz bem».

As ilustrações de Madalena Matoso ampliam a geografia textual oferecendo linhas infindáveis, sinais imprecisos e pontos de referência que alinham por um desalinho afetivo que faz bem ao coração rebelde das crianças e ao coração amadurecido dos avós.

 

4 – O meu avô (Manuela Bacelar, Edições Afrontamento, 1990; 6.ª edição de 2015)

Um avô alto, aos olhos do neto, que se ocupa de coisas tão simples e pequenas como ir buscar o neto à escola, levá-lo a lanchar em casa e brincar com ele. Coisas simples que o neto, o narrador, relata de um modo muito acessível, mas às quais atribui um significado grande: «Acabado o lanche, o meu Avô fica muito pequeno. Então brincamos juntos.» A grandeza de fazer-se pequeno está presente, não sem algum tom humorístico, nos óculos do avô que vê mal quando não os põe, tal como o neto vê igualmente mal quando os põe; nos animais que há em casa do avô; no cheiro bom dos bolos do avô pasteleiro; nos bonecos que cozem no forno e fazem o neto esperar para os comer; no avô chateado, porque se esquece dos doces que saltam da panela e da alegria que o neto encontra nisso e que o faz chamar os amigos e fazer uma grande festa.

As ilustrações, peculiares no estilo e na forma, ajudam a concretizar o texto, ora antecipando, ora suscitando possibilidades que o texto não enuncia, mas mantendo sempre uma componente figurativa forte, capaz de captar a atenção (verbal e visual) dos leitores iniciais.

5 – O meu avô (Catarina Sobral, Orfeu Mini, 2014)

Este outro avô, de Catarina Sobral, não é pasteleiro, mas foi relojoeiro. Talvez por isso a narrativa comece com a importante insignificância da referência à hora a que acorda o avô e o vizinho (o Dr. Sebastião), que se cruzam todos os dias ao sair e, às vezes, ao regressar a casa. O avô do narrador «agora tem bastante tempo» ao passo que o Dr. Sebastião, não sendo relojoeiro, está sempre a ver as horas e «nunca tem tempo a perder». O avô, porque tem tempo, nunca se lembra de ler as notícias, tem aulas de alemão e aulas de Pilates, faz vários piqueniques durante a semana, cultiva o jardim, escreve ridículas cartas de amor durante horas a fio, ao serão discute pintura e lê peças de teatro, vai frequentemente a Paris, bebe chá todos os dias com uma amiga, cozinha, ajuda os cães a atravessar a rua «e ainda tem tempo para ir buscar-me à escola», confessa o narrador. Parece que o avô tem todo este tempo e faz todas estas coisas porque está reformado. Todavia, o texto e a ilustração finais fazem-me suspeitar de que o avô tem tempo e faz o que faz porque é avô: «O tempo voa quando estou com o meu avô». Bem merecido, o Prémio internacional de ilustração, atribuído pela Feira do Livro Infantil de Bolonha.

6 – Vovó Estrelinha (Vera Ximenes, Edições Afrontamento, 2017)

É sempre difícil e incómodo falar da morte das avós às crianças, sobretudo quando aquelas realizam missões impossíveis, como, por exemplo, “ler o coração das netas”, compreender a importância de “encontrar a felicidade quando ainda somos crianças” e fazer “uma lista de momentos felizes” em que avó esteve e foi presença. O catálogo de 10 momentos felizes antecede a declaração de que “depois de ler os corações das netas a vovó estrelinha percebeu que a sua missão estava cumprida! As suas netas são muito felizes!” Mas um dia, “a vovó estrelinha foi chamada para mais uma grande missão.”, a de iluminar o céu de estrelas com a sua luz cintilante e o céu de estrelas nunca mais (se) acabou, porque a avó nunca falhou uma missão. Mas “as netas não ficaram tristes. Abanaram a cabeça três vezes (como a avó ensinará) e a tristeza foi embora”. Bela forma de as avós falarem da morte dos avós às netas! Se o objetivo do livro era este, missão cumprida…

7 – O País dos avós (Maria de Lurdes Soares & Carla Nazareth, Paulinas, 2017)

Depois de «O país do mel», «O país dos pés», «O país da roupa», «O país das chaves», da coleção «países imaginados», este O país dos avós apresenta-nos um território afetivo que existe há séculos, não tem poiso fixo, é fruto de memórias, território que os avós não habitam, mas onde são recebidos todos os dias. Sem eles «a família perderia a sua última geração e deixaria de ter história, memória e coração.» Os avós adoram que o tempo não tenha pressa, riem pela alegria contagiosa da magia, vivem em espanto, trazem consigo saberes e têm resposta para todas as perguntas e porquês, ensinam (num nunca acabar de sabedoria), cantam, contam e adormecem. A conclusão da narrativa parece oferecer uma síntese deste país enigmático: «Com bagagem, mas sem peso, os avós regressam, com alegria, à Família. E dela viajam, sem intenção nem aviso, para o País dos Avós, sempre. A sua esperança são os sonhos e o Seu amor são os netos.» A ideia de um território / país em que os avós fossem reis e senhores perde-se ao longo da narrativa pela introdução de excessivos elementos míticos (fadas, duendes, gnomos, ninfas, salamandras) que dificultam a leitura e a compreensão, e reclamam uma leitura demorada e atenta e, porventura, um bom mediador. Ainda assim, ou talvez por causa disso, fica a sensação de que este país é mais uma ponte entre duas margens: o universo infantil e o saber de experiências feito dos avós.

8 – Avós (Chema Heras & Rosa Osuna, Kalandraka, 2012)

Avós é um livro sem netos ou netas. Apenas reconhecemos que estão presentes porque o narrador chama à Manuela avó e ao Manuel avô. Além disso, somos levados a crer que os avós, estes e neles todos os outros, apesar dos seus olhos tristes, das pestanas curtas, da pele enrugada, dos beiços secos, do cabelo branco e das pernas magras continuam a ser, um para outro e com o outro, capazes de transformar estas limitações e aparentes fraquezas em realidades que fazem percecionar que, na vida, mais importante do que o que vê é o que se sonha, mais importante do que o corpo é o coração.

Nos avós Manuela e Manuel, e em todos os outros, são tristes os olhos como as estrelas da noite, são curtas as pestanas como a erva recém-cortada, é enrugada a pele como as nozes de uma tarde, são secos os beiços como a areia do deserto, é branco o cabelo como uma nuvem de verão e magras as pernas como as de uma andorinha. É por isso que os avós são tão bonitos como a lua.

Um livro enternecedor para mostrar como são «por dentro» os avos.

9 – A incrível fuga do meu avô (David Walliams & Tony Ross, trad. Rita Amaral, Porto Editora, 2016).

Este livro é incrível. Desde logo porque não é o avô que vem em socorro do neto, como era previsível, mas é o neto, com 12 amos de idade, que faz das tripas coração para impedir que o avô Bandeira, um ilustre piloto da Força aérea Britânica durante a segunda Guerra Mundial vá para um lar de idosos. A verdade é que «certo dia, o avô começou a esquecer-se das coisas. A princípio, eram coisas pequenas. (…). Com o passar do tempo, o avô começou a esquecer-se de coisas mais importantes. (…) O mais surpreendente de tudo era que o avô se esquecera completamente de que era um reformado com uma idade avançada.» «Em vez de apenas contar as histórias, o avô começara a revivê-las. (…). Na sua cabeça, ele era um jovem piloto garboso ao comando do avião de caça Spitfire. Toda a gente tinha na vida do avô tinha dificuldade em compreender isto. À exceção de uma única pessoa. O seu neto, Jack.» Mediante a tentativa, inicialmente cortês e depois inevitável, de colocar o avô no lar de idosos duma aldeia perto de Londres, Jack luta contra tudo e todos para que tal não aconteça, acabando por libertar o avô e por desmascarar o Sr. Banha (que afinal é o reverendo leitão), responsável pelo lar de idosos, que mais não era do que uma forma de sacar dinheiro às famílias, sem cuidar dos idosos. A narrativa é pródiga em aventuras e peripécias que se sucedem a um ritmo que não enfadam o leitor e, de certo modo, o tornam participante do desafio enorme que é sair da realidade para trazer o avô à realidade. Na verdade, Jack, na sua relação «estranha», mas afetiva com o avô, mostra-nos como os avós podem e devem ser cuidados, independentemente das alterações familiares que o seu estado de doença ou velhice possam provocar. Jack encarna o triunfo do carinho e da ternura sobre o utilitarismo e a inevitabilidade da vida e da sociedade. E a verdade é que, ao ler este livro volumoso, compreendemos isso sem que ninguém nos dê nenhuma lição de moral ou faça qualquer discurso politicamente (in)correto. Um livro e uma narrativa absolutamente irresistível e divertida… para netos e avós! Enfim, para todos.

10 – A avozinha gangster (David Walliams & Tony Ross, trad. Rita Amaral, Porto Editora, 2014).

Em A avozinha gangster, do mesmo autor do livro anterior, invertem-se os papéis. Neste livro, é a avó que se transfigura, a ponto de se tornar uma gangster, para captar a atenção e a benevolência de Ben, o seu neto. Esta avó é uma típica avozinha, ou seja, com cabelo branco, aparelho auditivo, cheiro 8impossível9 a couve, vestido florido, chinelos avermelhados, pacote de rebuçados da tosse á mão, lenço sujo enfiado na manga, casaco de malha rosado, queixo peludo, dentadura e óculos grossos. Ou seja: uma avó chata que o neto tem de “gramar” todas as sextas-feiras, quando os pais cultivam o seu amor á dança e ao dançarino Flavio Flavioli. Até ao dia em que bem descobre uma caixa de diamantes e começa a investigar e descobre que a avó é afinal uma ladra de joias internacionalmente procurada e entregue a uma vida de crime, em que o neto se vê a participar. Ambos, avó e neto, decidem roubar as Joias da Coroa, que estão guardadas na Torre de Londres, coisa que, depois de caricatos episódios, quase conseguem, não fosse uma inesperada audiência com a própria rainha, e a descoberta por parte do nero de que, afinal, toda aquela “encenação” mais não foi do que uma tentativa de se aproximar dele e de conquistar a sua simpatia. E conseguiu-o, porque no dia do funeral, numa cerimónia monótona e deprimente, «Bem só queria gritar. Queria contar a toda a gente – à mãe e ao pai, aos tios e às tias e a toda a gente! – como a avó era incrível. Como contava histórias espantosas! E, acima de tudo, queria contar-lhes sobre a aventura espetacular que tinha tido com a avó, como quase tinham roubado as Joias da Coroa e como tinham mesmo conhecido a Rainha. Mas ninguém ia acreditar nele. Bem só tinha 11 anos. Iam achar que ele tinha inventado tudo.» Um livro hilariante… escrito por alguém que domina a arte da comédia (conhecido pela parceria com Matt Lucas, na série Little Britain) e pelas intervenções efusivas no conhecido programa Britain’s Got Talent. Para todos, pais, avós e netos!

João Manuel Ribeiro
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