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Lisboa recebe encontro internacional no Dia dos Mortos

O encontro internacional Malcolm Lowry, dedicado desde 2001 ao autor do romance “Debaixo do Vulcão”, vai realizar-se pela primeira vez fora do México e a cidade escolhida foi Lisboa, uma iniciativa do editor Marcelo Teixeira e de outros entusiastas deste escritor.

Organizado pela Fundación Malcolm Lowry, sempre no Dia dos Mortos, porque é quando se passa a ação de “Debaixo do Vulcão”, obra maior do autor e um dos mais importantes romances modernistas do século XX, o encontro tem esta ano lugar marcado na Biblioteca Municipal Camões, em Lisboa, nos dias 30 e 31 de outubro.

A história da transferência do encontro para Lisboa é explicada por Marcelo Teixeira, editor da Parsifal e um dos responsáveis por esta iniciativa, que, juntamente com um grupo de amigos de diversos países, admiradores de Malcolm Lowry, promovem todos os anos um encontro em Cuernavaca, no México, para discutir as obras do escritor.

A escolha de Cuernavaca tem a ver com o facto de essa ser a cidade onde se passa a ação do romance “Debaixo do Vulcão”, para o qual o autor recupera o nome em nauatle (asteca ou mexicano clássico), Quauhnáhuac.

“Este grupo, o ‘núcleo duro’, digamos, é constituído por vários mexicanos, como é natural, mas também por entusiastas de França, Inglaterra, Estados Unidos e de Portugal, como é o meu caso. Há dois anos, durante a realização do XII Encontro, colocámos a hipótese de fazer um encontro noutro lugar, fora do México, e acabámos por decidir que Portugal era uma boa escolha, onde a obra de Lowry é relativamente conhecida”, disse Marcelo Teixeira em entrevista à agência Lusa.

Além de ser uma “boa oportunidade” para falar de um escritor que, apesar de não ter uma obra muito extensa, tem uma obra singular que permite uma abordagem “multíplice”, sobretudo “Debaixo do Vulcão”, havendo sempre alguém que traz um olhar novo.

O escritor e crítico literário do The Guardian disse que o puzzle que este livro apresenta tem sido desvendado várias vezes ao longo dos anos, mas como acontece com todas as grandes obras de arte, “Debaixo do Vulcão” inspira e absorve legiões de interpretações, podendo ser lido como um romance político, religioso, místico ou filosófico.

Os objetivos deste encontro são, nas palavras de Marcelo Teixeira, “manter vivo o interesse pela obra de Malcolm Lowry, contagiando entusiastas e fazendo com que jovens leitores tenham vontade de conhecer o autor”.

A história do nascimento deste encontro é “curiosa”, pois partiu de uma tentativa de homenagem prestada por um escultor e pintor inglês, John Spencer, que no final dos anos 1960 foi viver para Cuernavaca.

Como era um grande admirador de Malcolm Lowry, tentou recuperar a casa onde este viveu na segunda vez que esteve no México, na Calle Humboldt, onde está atualmente o Hotel Bajo el Volcán, que corresponde à casa de Jacques Laruelle (uma das principais personagens), na Calle Nicaragua do romance.

Isto passou-se em 1984, o mesmo ano em que John Huston realizou o filme, tendo também o cineasta norte-americano ali vivido por algum tempo.

John Spencer não conseguiu comprar a casa, mas manteve a ideia de homenagear a passagem de Lowry por Cuernavaca, o que se concretizaria com o primeiro encontro, em 2001.

“Mas é curioso que já antes, em 1987, Óscar Menéndez, grande realizador mexicano e um dos mais entusiastas ‘lowryanos’ que conheço, que estará também agora em Lisboa, fez o documentário ‘Malcolm Lowry en México’, que será exibido neste XIV Encontro”, disse o editor.

Este é um encontro que no México costuma juntar “sempre 25, 30 pessoas, por vezes mais”, e cuja regularidade “acabou por criar alguma fidelização nalguns entusiastas, que, em boa verdade, são já amigos, que acabam por voltar – uns anos, uns; outros anos, outros; e alguns todos os anos, do México, mas também dos Estados Unidos”.

Alguns dos mais reputados académicos de vários países especializados na obra de Lowry vão estar este ano em Portugal, como é o caso de Nigel Foxcroft, de Inglaterra, ou Stephen Cooper, dos Estados Unidos, revelou.

Apesar de Malcolm Lowry ter publicado apenas duas obras em vida, “Ultramarina” e “Debaixo do Vulcão” (todas as outras foram publicadas posteriormente), esta última é considerada uma das grandes obras do século XX, e o facto de “motivar um encontro anual de leitores e admiradores só revela a sua grandeza, constituindo, ao mesmo tempo, um pretexto para um grupo de amigos se reencontrar”, afirmou.

“Penso ser absolutamente consensual dizer que a sua grande obra é ‘Debaixo do Vulcão’. É uma obra tão intensa e tão rica que terá diferentes razões para fascinar um leitor. Por exemplo, Mário de Carvalho, um dos nossos escritores maiores (que participará neste encontro), considera a personagem do cônsul uma das mais brilhantes da literatura”.

Também para o romancista e ensaísta inglês Stephen Spender, nunca um romance descreveu de maneira tão extraordinária o que vai na cabeça de um bêbedo, considerando “Debaixo do Vulcão” a melhor obra alguma vez escrita sobre o tema.

Segundo o editor e organizador do encontro, “parte do fascínio advém igualmente do facto de a narrativa ter tanto de autobiográfico, de refletir tão fiel e tão terrivelmente a vida de Lowry. Mas claro que isso não seria por si só motivo de fascínio se a escrita não estivesse alicerçada num excecional talento”.

“Aliás, o leitor é logo confrontado no primeiro capítulo com a frase ‘No se puede vivir sin amar’ – dita de passagem por uma das personagens -, curiosamente extraída do livro ‘De los nombres de Christo’, de Frei Luis de León, grande poeta e teólogo de Salamanca, preso pela Inquisição em finais do século XVI”, contou.

Marcelo Teixeira destaca, a propósito, que uma das coisas que este livro “tem de especial é a erudição de referências, como o referido exemplo de Frei Luis de León, entre muitas outras, que se vão descobrindo a cada releitura”.

“Mas o livro é muito mais do que isso, naturalmente. A maneira como está estruturada a narrativa, a intensidade dramática, o desespero da condição humana (que era a do próprio Lowry), o retrato de um país realmente inspirador pelas suas características tão singulares – e ao qual chegaram e nele se inspiraram autores como Artaud, Italo Calvino, D. H. Lawrence, Graham Greene, Érico Veríssimo, [B.] Traven, entre tantos outros”, acrescentou.

Além dos tradicionais debates e mesas-redondas, haverá visionamento de documentários, uma exposição de gravuras de Alejandro Aranda, artista mexicano, uma exposição de memorabilia ‘lowryana’, que inclui dezenas de edições de “Debaixo do Vulcão” (incluindo a primeira), um pequeno altar de mortos dedicado a Lowry e a figuras ligadas à sua obra, que desapareceram há relativamente pouco tempo, como o seu principal biógrafo (“a quem escrevemos em Janeiro para vir a Lisboa, tendo a sua mulher respondido que ele falecera poucos dias antes”, disse Marcelo Teixeira).

No final do primeiro dia haverá um cocktail de comidas e bebidas mexicanas, que inclui o inevitável mescal, oferecido pela Embaixada do México em Portugal.

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