Jorge Nuno Pinto da Costa: Um rival que todos queriam como aliado

O futebol português perdeu no dia 15 de fevereiro de 2025 uma das suas figuras mais marcantes: Jorge Nuno Pinto da Costa. O homem que liderou o Futebol Clube do Porto durante mais de quatro décadas faleceu aos 86 anos, deixando um legado inigualável. Para os portistas, foi o presidente que elevou o clube ao topo do mundo; para os rivais, uma figura polémica, mas temida e respeitada.
Como benfiquista, a relação com Pinto da Costa sempre foi feita de emoções intensas. Vi-o transformar o F. C. Porto numa potência nacional e internacional, muitas vezes à custa do meu clube. Mas negar a sua influência e genialidade seria ignorar a história. Pinto da Costa foi mais do que um presidente: foi um estratega, um líder carismático e um mestre da gestão desportiva. E, gostemos ou não, deixou uma marca que ninguém poderá apagar.
O arquiteto da era dourada do F. C. Porto
Quando assumiu a presidência do F. C. Porto, em 1982, Pinto da Costa herdou um clube que vivia à sombra dos gigantes de Lisboa. O Benfica e o Sporting dominavam o futebol português e as conquistas portistas eram esporádicas. Mas ele tinha uma visão clara: o Porto não podia ser apenas um clube regional, tinha de se afirmar como um colosso europeu.
E assim começou uma revolução. Pinto da Costa profissionalizou a estrutura do clube, apostou em treinadores inovadores e criou uma cultura de exigência máxima. O resultado? Em 1987, apenas cinco anos depois de assumir o cargo, o F. C. Porto conquistava a Taça dos Campeões Europeus, vencendo o Bayern Munique com aquele mítico golo de calcanhar de Madjer. O futebol português percebia, então, que algo estava a mudar.
Não foi um feito isolado. Com Pinto da Costa ao leme, o Porto tornou-se um clube habituado a ganhar. Nos anos seguintes, chegaram mais títulos europeus: a Taça UEFA em 2003, a Liga dos Campeões em 2004 e a Liga Europa em 2011. Internamente, os “dragões” quebraram a hegemonia lisboeta e tornaram-se o clube mais dominador das últimas décadas.
Mas o sucesso do Porto não foi apenas desportivo. Pinto da Costa montou um modelo de gestão que permitiu ao clube manter-se competitivo sem depender de investimentos externos. Descobria talentos, potenciava-os e vendia-os pelo preço certo. Deco, Ricardo Carvalho, Pepe, Falcao, James Rodríguez e tantos outros passaram pelas mãos do presidente e renderam milhões aos cofres do Dragão.
A arte da guerra e o domínio dos bastidores
Se há algo que diferenciou Pinto da Costa dos restantes dirigentes portugueses foi a sua capacidade de jogar fora das quatro linhas. Não era apenas um presidente, era um estratega. Criou uma mentalidade de “nós contra eles” que uniu o Porto contra tudo e contra todos. Soube manipular o discurso, influenciar a opinião pública e, acima de tudo, mexer-se como ninguém nos bastidores do futebol.
Foi um mestre na escolha dos momentos certos para falar, criticar ou elogiar. Construiu alianças quando lhe interessava e destruiu-as quando deixavam de ser úteis. Sabia quando pressionar árbitros, quando atacar a comunicação social e quando usar a rivalidade entre Porto e Lisboa para unir o seu clube.
Claro que esta forma de atuar trouxe polémicas. O “Apito Dourado” foi o momento mais negro da sua presidência, com escutas telefónicas que levantaram dúvidas sobre a lisura de alguns dos sucessos do Porto. Mas, no final, Pinto da Costa saiu ileso e continuou a vencer. Para os portistas, foi a prova de que o sistema estava contra eles; para os rivais, um sinal de que o futebol português precisava de mudar.
O respeito do adversário
Benfiquista como sou, foi difícil assistir a décadas de domínio portista. Pinto da Costa soube explorar as fragilidades do Benfica e do Sporting, muitas vezes beneficiando das nossas crises internas para cimentar o poder do Porto. Construiu um clube estável e forte, enquanto os rivais passavam por períodos de instabilidade e más decisões de gestão.
Mas, apesar de toda a rivalidade, houve sempre um pensamento inevitável: e se ele estivesse do nosso lado? Porque a verdade é que Pinto da Costa não foi apenas um presidente do Porto. Foi um dos maiores dirigentes desportivos da história do futebol. E qualquer clube beneficiaria da sua visão, da sua ambição e da sua capacidade de construir equipas vencedoras.
É esse respeito que hoje se impõe. Pinto da Costa foi um adversário feroz, sim. Mas foi também um homem que fez do futebol português um palco maior, que elevou a competitividade e que mostrou que era possível um clube português ser grande na Europa.
O fim de uma era e o legado eterno
Em 2024, após 42 anos de presidência, Pinto da Costa deixou o cargo. O tempo começava a pesar, e a nova realidade do futebol, com investimentos milionários e modelos de gestão modernos, exigia uma adaptação difícil. André Villas-Boas assumiu a sucessão, tentando continuar o trabalho do mestre.
Agora, com a sua morte, encerra-se definitivamente um capítulo da história do futebol português. Nenhum outro dirigente esteve tanto tempo à frente de um clube com tanto sucesso. Nenhum outro moldou tanto o destino de uma instituição como Pinto da Costa fez com o F. C. Porto.
O seu legado será eterno. O Estádio do Dragão, o museu recheado de troféus, a mentalidade de vitória incutida no clube – tudo isso tem a sua marca. O Porto que conhecemos hoje não existiria sem ele.
E mesmo para os rivais, a sua ausência será sentida. O futebol precisa de figuras como Pinto da Costa, de líderes apaixonados, de personalidades fortes que dão cor e emoção ao jogo. Com ele, o futebol português foi mais intenso, mais competitivo, mais vibrante.
Hoje, despeço-me de um adversário que tantas vezes quis ver derrotado. Mas faço-o com respeito. Porque Pinto da Costa foi, sem dúvida, um dos maiores de sempre.
Um rival que todos gostariam de ter como aliado.
António Ricardo Miranda