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Interpretar este conflito 

© Lusa

Israel é um país pequeno. Pequeníssimo. À escala mundial, a sua existência não prejudicaria nenhum outro Estado. Por que razão não consegue integrar-se sem atrito no espaço geográfico do Médio Oriente? 

Há a questão palestina? Pois há. E parece evidente que Israel pretende incorporar no seu território a zona designada como Cisjordânia, que agrupa as históricas Judeia e Samaria, alegadamente imprescindíveis para a identidade israelita. A instalação de colonatos judaicos na Cisjordânia insere-se nesta lógica. Mas, admitindo que exista de facto, é discutível que tal pretensão implique um drama. Em Israel vivem comunidades árabes, com direito de cidadania, representação no parlamento nacional, liberdade de ensino da sua língua e da sua religião, isenção do serviço militar.

Em relação aos palestinos, o mais grave que se pode apontar a Israel é que não os deixa constituírem-se em Estado de pleno direito. Não me pronunciarei sobre os aspetos éticos da negação do direito de autodeterminação a minorias nacionais. Em contrapartida, lembrarei, por exemplo, o Irão, o Iraque, a Síria e a Turquia, que não deixam os curdos constituírem-se em Estado de pleno direito. Ou a China, que praticou genocídio cultural — e físico — entre os tibetanos e os uigures e não os deixa constituírem-se em Estado de pleno direito. Ou a Rússia, que não deixa os chechenos constituírem-se em Estado de pleno direito. Ou Angola, que não deixa os cabindas constituírem-se em Estado de pleno direito. Ou Marrocos, que não deixa os berberes constituírem-se em Estado de pleno direito. Ou a Argélia e a Tunísia, que não deixam os cabilas constituírem-se em Estado de pleno direito. Poderia até referir a Espanha, que não deixa os catalães constituírem-se em Estado de pleno direito. 

Por todo o planeta, inclusive (senão sobretudo) no mundo islâmico, há situações incomparavelmente mais ultrajantes do que a dos palestinos, e ninguém se preocupa grandemente com elas… O que está por trás de tudo isto é a teocracia que governa o Irão e que tem como objetivo, repetidamente expresso, eliminar o Estado de Israel, senão diretamente, para o que lhe faltaria capacidade militar, em todo o caso agindo por intermédio de movimentos rebeldes, destituídos de regras ou escrúpulos, confortados na sua santificação em nome de uma religião, como o Hezbollah, o Hamás, os hutis do Iémen, as milícias xiitas da Síria e do Iraque. 

O Ocidente gosta de ver Israel em vítima. Nessa altura, solidariza-se com ele, exprime votos de pesar, condena o Irão, apela ao cessar-fogo… Ora, Israel não tem dúvidas de que, se não se defender ativamente, nem que seja atacando primeiro, sucumbirá, piedosamente chorado pelos seus amigos do Ocidente. A Israel não parece valer de muito a solidariedade enquanto vítima. Sabe dever contar essencialmente consigo mesmo. Se não se defender, não o farão os Estados Unidos. Seguramente não a UE. 

A faixa de Gaza foi evacuada por Israel em 2005 e confiada à Autoridade Palestina (a mesma que governa a Cisjordânia). Dois anos mais tarde, o poder em Gaza caiu nas mãos do movimento religioso e militar Hamás, que expulsou pelas armas a Autoridade Palestina e que, como lídimo filho ideológico do Irão, visa aniquilar Israel. Por isso, e só por isso, Israel lançou um bloqueio a Gaza (coisa que, aliás, o próprio Egito também fez, pois o regime militar que o governa conhece bem a Irmandade Muçulmana, matriz do Hamás). 

Portanto, Israel, em 2005, deixou os gazenses constituírem-se em Estado de pleno direito. O resultado viu-se: a própria existência de Israel passou a estar em causa. 

O Ocidente caiu na armadilha woke, e dela está agora refém. A intelectualidade pretensamente progressista dos países ocidentais julga-se no direito de ser implacável com o próprio Ocidente (e Israel integra-se nele), ao passo que faz vista grossa (e se enche de «compreensão» e «benevolência») em relação às coisas mais intoleráveis que tenham origem no não-Ocidente. 

Depois do agressivo repúdio inicial à criação do Estado de Israel, vai para oitenta anos, os países árabes da vizinhança (imediata ou alargada) foram gradualmente pendendo para a sua aceitação. O primeiro, em finais da década de 1970, foi o Egito, o Egito de Gamal Abdel Nasser, um dos mais acérrimos inimigos de Israel, e pela própria mão de Anwar es-Sadat, antigo vice-presidente de Nasser. Seguiu-se a Jordânia e, muito mais recentemente, algumas monarquias do golfo Pérsico. Prenunciava-se o reconhecimento diplomático por parte de países como Marrocos e, possivelmente, a Tunísia, a Argélia e até — pasme-se! — a própria Arábia Saudita. 

Israel é um país de vanguarda em alguns domínios da investigação científica e tecnológica: desde logo, nas tecnologias de guerra (por força das circunstâncias); mas também na informática, na eletrónica, na medicina. O Centro Médico Hadassah, em Jerusalém, é uma referência de primeiro plano à escala mundial (aonde se vão tratar personalidades de países árabes, inclusive daqueles que não têm relações diplomáticas com Israel — magnatas do petróleo, e também membros das elites governantes). Compreendia-se que a cooperação regional, sobretudo no domínio económico, era mutuamente vantajosa, e no mundo árabe instalava-se o pragmatismo em relação a Israel. Tem-se dito (e faz todo o sentido) que o ataque do Hamás de 7 de outubro de 2023 visou, precisamente, boicotar essa evolução. E a verdade é que, perante a inevitavelmente violenta reação de Israel, a Arábia retirou a sua adesão aos «acordos de Abraão», que em 2020 tinham normalizado as relações entre Israel, por um lado, e os Emirados Árabes Unidos e o Barém, por outro (por curiosidade, refira-se que o nome «acordos de Abraão» aludia à lenda da ascendência comum de árabes e judeus: os árabes descenderiam de Ismael, ou Ismail, filho de Abraão, ou Ibrahim, e da egípcia Agar; os judeus de Isaac, ou Itshak, filho de Abraão, ou Avraham, e da sua esposa Sara). 

Ora, por trás do encarniçamento anti-Israel está o Irão, uma teocracia fundamentalista e xenófoba para a qual a pátria dos judeus é um posto avançado do satânico Ocidente na santa terra islâmica. Por isso, falam em «descolonizar» o Médio Oriente. Os palestinos são uma conveniente arma de arremesso. E, para os fundamentalistas, obviamente, seria ultrajante apontar-se o facto de ser esse «Ocidente» o cada vez mais colonizado por comunidades problemáticas (contra isso ninguém deve insurgir-se, para não ser «crucificado» por «racismo» e «islamofobia»). Mas não só para eles — também para a intelectualidade ocidental bem-pensante, que está totalmente cativa da ideologia woke, segundo a qual é virtuoso bater no Ocidente, demonizá-lo, demoli-lo, ao passo que o não-Ocidente deve ser visto como angélico e inimputável. 

Face ao imenso mundo árabe, junto com o Irão, Israel é minúsculo. Os problemas de ajustamento demográfico que os nossos órgãos de informação empolam seriam ignorados em qualquer outra zona do globo. Mas, para a ideologia woke, Israel tem um pecado original incontornável: é um fragmento de Ocidente. 

Jorge Madeira Mendes 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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