Há cada vez menos águias-caçadeiras e a culpa pode ser da agricultura
Investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (BIOPOLIS-CIBIO) concluíram que o rápido declínio da águia-caçadeira pode estar relacionado com as transformações da paisagem agrícola portuguesa nos últimos 30 anos.
Em comunicado, o centro da Universidade do Porto esclarece hoje que a investigação, que contou com a colaboração da Palombar e do Conselho Superior de Investigações Cientificas (CSIC) de Espanha, foi publicada na revista Conservation Science and Practice.
A águia-caçadeira é uma espécie diferente da maioria das águias, uma vez que nidifica em solo. Na Europa, a espécie está associada a habitats agrícolas, dependendo de culturas de cereal para fazer o ninho.
“Em Portugal, o censo mais recente da espécie, realizado em 2022-2023, aponta para um declínio de quase 80% em 20 anos”, salienta o centro, esclarecendo que, através de dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), foi possível identificar e quantificar o “quase total abandono de produção de cereal” entre 1989 e 2019, “agora em históricos mínimos para a produção de gado bovino”.
Citado no comunicado, o coordenador do estudo, João Paulo Silva, salienta que o impacto da expansão da produção bovina em Portugal já tinha sido demonstrado, mas que ainda não tinha sido analisada a questão “à escala de todo o território continental”.
“A especialização e homogeneização da paisagem para pastagens permanentes retira a complexidade da vegetação de que muitas aves agrícolas dependem. Além disso, estas pastagens permanentes têm sido intensificadas, levando a uma degradação do habitat, com uma cobertura da vegetação muito reduzida”, acrescenta o investigador do BIOPOLIS-CIBIO.
Perante a falta de habitat adequado, as espécies “são empurradas” para as culturas forrageiras, que agora representam “mais de metade das terras aráveis” em Portugal continental, caindo “numa armadilha ecológica”.
Também citado no comunicado, o primeiro autor do estudo, João Gameiro, explica que estas armadilhas ecológicas decorrem quando um animal “é atraído para uma área, sem saber que tem menor qualidade ou que vai acabar por lhe reduzir a sobrevivência ou o sucesso reprodutor”.
Em Portugal, quando as águias-caçadeiras se tentam estabelecer, acabam por preferir as culturas forrageiras com fenos de aveia, que são em maior quantidade e estão mais desenvolvidas do que as culturas de grão, como trigo. No entanto, as culturas forrageiras são cortadas mais cedo, “muitas vezes, antes mesmo de os ovos desta ave eclodirem”.
Algumas águias chegam a tentar fazer segundas posturas, em parcelas com grão que ainda persistem, mas voltam a não ter sucesso reprodutivo porque as culturas já estão próximas do tempo de corte.
“Por esta razão, é atribuída a designação de dupla armadilha ecológica”, salienta o centro.
A investigadora do CSIC que trabalha há vários anos com a espécie, Beatriz Arroio, esclarece que o problema já tinha sido identificado noutros países, mas que a “predominância de fenos em Portugal, e o seu corte precoce, leva a ameaça ao extremo”.
“Esta pode ser uma das principais causas pelo declínio acentuado observado nesta e noutras espécies importantes como a abetarda, o sisão ou a perdiz”, salienta João Gameiro.
Os investigadores salientam que a solução para manter a espécie na paisagem agrícola portuguesa passa por identificar e proteger os ninhos “o mais rapidamente possível” e colaborar com os agricultores para manter uma faixa não cortada ao seu redor.
“Os agricultores são parte da solução e é necessário rever as medidas agroambientais e torná-las economicamente atrativas”, defende João Gameiro.
Já o coautor do estudo e diretor da Palombar, José Pereira, salienta que um projeto europeu LIFE, intitulado “SOS Pygargus” vai focar-se na recuperação das populações nacionais e transfronteiriças com Espanha nos próximos anos.