
O governo de coligação PSD-CDS decidiu colocar como objetivo da sua agenda tirar espaço à extrema-direita, adotando uma ação política que não lhe é própria, caindo na contradição de afirmar que não existe ligação entre imigração e insegurança, mas acabando por reforçar essa ideia por via de algumas ações musculadas e aparatosas, como a intervenção policial desproporcionada na zona do Martim Moniz.
A gritaria racista e xenófoba do Chega conseguiu pôr o primeiro-ministro Luís Montenegro a tomar iniciativas que ofendem a nossa tradição humanista e criam mais problemas do que aqueles que resolvem. A extrema-direita começou por andar a fazer vídeos provocatórios e insultuosos na Rua do Benformoso, só porque as pessoas têm outra cultura e outras origens. Mas agora foi lá a polícia a mando do Governo encostar os imigrantes à parede, para criar a ilusão que tem a imigração sob controlo, intimidando pessoas pacíficas que no nosso país são cada vez mais vítimas de um racismo e xenofobia que alastram como uma mancha.
A imagem de cidadãos indostânicos encostados à parede, numa ação assumida como preventiva, é um ato constrangedor e humilhante, baseado em preconceitos racistas, o que é a negação dos valores humanistas e universalistas que os portugueses construíram ao longo de séculos de migrações. A terra acolhedora que Portugal sempre foi, está a transformar-se num país hostil para os estrangeiros, só para satisfazer uma retórica venenosa e oportunista da extrema-direita, que não hesita em instrumentalizar seres humanos que vieram para o nosso país com o mesmo objetivo com que milhões de portugueses também emigraram ao longo da história.
Um país que colonizou e moldou durante séculos povos culturalmente distintos, que impôs a muitos deles uma língua que desconheciam, que tem um passado e um presente marcados pela emigração, tem o dever de saber conviver com os outros povos e ser tolerante com quem nos procura para ter uma vida melhor. É preciso rejeitar o populismo e o nacionalismo que estão a destruir a coesão da nossa sociedade e combater a ideia falsa de uma invasão que destrói a nossa identidade e rouba o trabalho, a habitação e o acesso à saúde aos portugueses.
Está mais do que provado que não existe relação entre imigração e insegurança e que a economia colapsa sem o trabalho dos imigrantes. Mas a insistência em manter o tema da imigração, só faz o jogo da extrema-direita, que não tem o menor escrúpulo em instrumentalizar a vida de pessoas para o seu ganho político.
Além disso, é preciso enfatizar que as nacionalidades com mais imigrantes em Portugal são o Brasil, Reino Unido, Cabo Verde, Itália, Índia, Roménia, Ucrânia, França. Ou seja, os imigrantes indostânicos que foram encostados à parede representam uma minoria, mas têm servido de instrumento para impor a agenda securitária da extrema-direita, de que agora o Governo se apoderou.
Não se pode tolerar que os discursos de ódio roubem o que de melhor o povo português tem, que é o seu humanismo, o seu universalismo e a sua generosidade e a sua solidariedade.
Paulo Pisco