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Fábio Coentrão, ou o cartão vermelho no viveiro

Quando pensamos no percurso de uma estrela do futebol, imaginamos cenários grandiosos: estádios cheios, flashes das câmaras, transferências milionárias e talvez, no fim de carreira, uma vida tranquila longe dos holofotes. O que não nos ocorre imediatamente é que um antigo jogador internacional, com passagens por clubes lendários como o Real Madrid, possa acabar nas manchetes… por causa de marisco. E não, não é por abrir um restaurante de luxo.

Fábio Coentrão, outrora lateral-esquerdo temido pelos adversários e admirado pelos adeptos, foi apanhado recentemente com mais de uma tonelada de marisco num viveiro ilegal na Póvoa de Varzim. O que começou como uma notícia insólita rapidamente se tornou motivo de piada nacional, debates sérios sobre legalidade e até uma curiosa reflexão sobre o que significa ser “famoso em Portugal”.

Da bola ao berbigão

Antes de mais, é impossível não dar crédito a Fábio Coentrão por ter trocado o glamour do futebol pela rudeza do trabalho no mar. Ao contrário de muitos colegas de profissão, que após pendurarem as chuteiras vivem de aparições em programas de televisão ou investimentos em negócios obscuros, Coentrão sempre defendeu que queria honrar as suas raízes. Não é todos os dias que vemos um jogador de topo a trocar os relvados pelos viveiros de marisco – e com orgulho.

No entanto, a transição de Coentrão de desportista para empresário das águas parece ter encontrado algumas ondas mais agitadas. A descoberta de um viveiro ilegal com uma tonelada de marisco levanta várias questões, desde o impacto ambiental ao cumprimento das leis marítimas. Mas, acima de tudo, deixa-nos a perguntar: como chegámos aqui?

Uma tonelada de questões

Por um lado, é fácil rir com a situação. Afinal, em Portugal, a expressão “apanhar um jogador com o pé na poça” ganhou um novo significado. Entre memes que associam Coentrão a caranguejos e piadas sobre ele “ser apanhado em fora de jogo”, a internet foi rápida a transformar o caso num espetáculo.

Mas, por outro lado, há uma camada mais séria que merece reflexão. O caso de Fábio Coentrão é um microcosmo das tensões entre a modernidade e a tradição, entre a vontade de preservar atividades ancestrais e a necessidade de as adaptar ao século XXI. O problema dos viveiros ilegais não é novo, mas ganha um peso diferente quando o nome envolvido é tão mediático.

Além disso, o incidente coloca em evidência a pressão que figuras públicas enfrentam quando tentam reinventar-se. Ser “apenas” um mariscador não é suficiente; há sempre um escrutínio extra, uma lupa que amplifica os seus erros. Será que Coentrão quis desafiar o sistema de forma deliberada? Ou foi apenas vítima de uma tradição que, por vezes, ainda opera à margem da lei?

Portugal: país de marisco e moralidade seletiva

Este episódio também revela algo sobre nós, portugueses. Adoramos histórias que envolvam figuras públicas a serem “apanhadas”. Faz-nos sentir que somos todos iguais, que até as estrelas cometem deslizes. Mas somos igualmente peritos em julgar com base na moralidade seletiva.

Quantas vezes vamos à marisqueira e nem questionamos de onde veio o prato que temos à frente? Quantas vezes ignoramos os problemas associados à pesca ilegal ou ao excesso de exploração dos recursos marítimos? A verdade é que este caso só chamou atenção porque o nome envolvido é mediático. Se fosse outro “Fábio”, sem fama, a tonelada de marisco seria notícia de rodapé, se tanto.

Do escândalo à redenção?

Apesar do turbilhão mediático, há algo quase poético na história de Fábio Coentrão. Num país que vive entre o amor ao mar e o apego à terra, ele simboliza essa dualidade. Um homem que saiu de Caxinas para conquistar o mundo do futebol e, depois, voltou às origens para trabalhar com o que o mar dá.

Claro, isso não justifica ilegalidades. Se houve erros – e parece que houve – terão de ser corrigidos. Mas é importante reconhecer que, num país em que tantos ex-futebolistas caem no esquecimento ou em caminhos obscuros, Coentrão escolheu um rumo que honra as suas raízes.

Talvez, daqui a uns anos, esta história seja apenas uma nota de rodapé na vida de Fábio Coentrão. Quem sabe? Ele pode transformar esta polémica num exemplo de como se pode trabalhar de forma sustentável no setor marítimo. Ou pode decidir abandonar os caranguejos e apostar numa outra área qualquer. Seja qual for o desfecho, uma coisa é certa: ele continuará a ser uma das figuras mais genuínas e imprevisíveis que o futebol português produziu.

Conclusão

Fábio Coentrão, o “mariscador apanhado em fora de jogo”, pode ter cometido um erro, mas não merece ser crucificado por isso. No fundo, a história diz tanto sobre ele como sobre nós: um país que adora o mar, mas que nem sempre sabe como tratá-lo, ou como tratar aqueles que vivem dele.

Por isso, da próxima vez que estivermos a saborear uma boa sapateira, talvez seja boa ideia refletir sobre o percurso que ela fez até ao nosso prato – e pensar se, afinal, não estamos todos, de certa forma, “em fora de jogo”.

António Ricardo Miranda

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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