Extrema-direita alemã: ameaça para apoio a refugiados?
Em vésperas das eleições regionais, organizações de apoio a refugiados no estado da Baviera assumem que a subida da extrema-direita “assusta” e advertem que uma eventual chegada ao poder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) tornaria o seu trabalho “quase impossível”.
As eleições regionais terão lugar no próximo domingo na Baviera, o maior e mais populoso dos 16 estados federais da Alemanha. A Lusa falou com responsáveis do Conselho de Refugiados de Munique e do Conselho de Refugiados da Baviera, e ambas as organizações que prestam apoio a refugiados queixam-se do aumento da retórica contra os imigrantes, que já não é exclusiva dos partidos radicais.
Em entrevista à Lusa na sede do Conselho de Refugiados de Munique, fundado há 30 anos para defender os direitos dos refugiados, um dos seus responsáveis, Christian Oppl, admite que as eleições de domingo “assustam”, ainda que o AfD não tenha na Baviera a popularidade de que goza noutros estados, sobretudo na Alemanha de Leste, em parte por ‘culpa’ de outra força populista de direita, o Eleitores Livres (FW, na sigla em alemão) parceiro de coligação da União Social-Cristã (CSU).
“Estamos muito preocupados. Vemos um apoio forte à extrema-direita, e o AfD é perigoso, é um partido fascista. Não é assim tão forte na Baviera, mas aqui também temos a situação específica de um governo [CSU e FW] que, mesmo sem AfD, já tem uma política de direita muito dura contra a migração e os refugiados. E os partidos progressistas têm muito pouca força na Baviera”, aponta.
Ao mesmo tempo que manifesta algum “descontentamento com a política do atual governo – supostamente progressista”, dado ser encabeçado pelos socialistas do SPD do chanceler Olaf Scholz e integrar os Verdes – de assumir a imigração como um problema, Christian Oppl aponta que, “mesmo que o AfD ainda não tome decisões políticas na Alemanha, está a influenciar” o discurso dos restantes partidos, que parecem “construir a sua agenda sobre o medo da imigração”.
A mesma opinião é partilhada por Uche Akpulu, responsável do Conselho de Refugiados da Baviera, organização de direitos humanos de defesa dos refugiados, igualmente com sede na cidade de Munique, segundo o qual em cada ciclo eleitoral na Alemanha “acabam sempre por ser os refugiados os ‘culpados’ e utilizados como ‘carne para canhão’”.
“Já quase estamos habituados. Sempre que se aproximam eleições, nota-se um aumento desta retórica racista e xenófoba, mesmo de políticos que supostamente são do centro. Tornou-se comum em cada ciclo eleitoral, mas é muito triste, pois numa sociedade como a alemã era de esperar que a retórica da extrema-direita não fosse a via para ganhar votos”, diz, admitindo que a situação hoje é particularmente preocupante.
Segundo Akpulu, a subida evidente da extrema-direita “claro que assusta, pois significa que a história da Alemanha, o passado nazi foi esquecido, e hoje já é normal propagar retórica nazi em público sem consequências”.
“É assustador. As pessoas querem que a história se repita?”, questiona, a poucos dias das eleições na Baviera e também na vizinha região de Hesse.
Para ilustrar o efeito de contágio que o discurso populista tem nos partidos tradicionais, ambos recordam à Lusa as recentes declarações polémicas do líder nacional da CDU, Friedrich Merz, que na semana passada sugeriu que os imigrantes estão a receber tratamentos dentários dispendiosos em detrimento dos alemães, “que nem conseguem marcar consultas”, uma acusação comprovadamente falsa.
“Sinceramente, não compreendo a estratégia dos partidos [do centro], porque penso que as pessoas que realmente têm medo de refugiados e da migração no final vão votar de qualquer modo no AfD, e ao focar as atenções na migração e apresentá-la como um grande problema, os partidos do centro estão provavelmente a ‘empurrar’ ainda mais eleitores para o AfD”, observa Oppl.
Já Akpulu comenta que líderes políticos como Merz “são supostamente pessoas inteligentes e parecem não pensar no efeito que as suas declarações têm na sociedade”, e os responsáveis das duas organizações dão conta de um ressurgimento da violência contra refugiados, tal como já sucedeu na sequência da crise migratória de 2015.
“Já experimentámos muita violência xenófoba e contra campos de refugiados nos anos de 2015, 2016 e 2017, altura em que recebíamos constantemente ameaças. E agora há um ressurgimento”, diz Oppl.
Enquanto Oppl, de cabelo loiro e olhos azuis, diz não poder falar de perseguições a título pessoal, já Uche Akpulu admite que, “sim, pessoalmente”, sente o racismo com frequência. “E como organização recebemos também a nossa quota-parte de cartas e telefonemas com ameaças. Os nossos escritórios já foram atacados, já partiram vidros das janelas, pintaram ‘grafitti’ e até chegaram a colocar blocos de cimento à porta para impedir a entrada”, conta.
“O racismo está profundamente enraizado na sociedade alemã e, em última análise, a culpa da subida da extrema-direita não é dos partidos, é das pessoas que votam neles”, acrescenta.
Comentando a popularidade do AfD a nível nacional – a dois anos de eleições gerais, surge na sondagem como o segundo partido nas intenções de voto, com mais de 20%, apenas atrás da CDU -, Oppl observa que se porventura aquele partido “chegasse ao poder, fazendo parte, de alguma forma de um governo”, o trabalho de organizações como a sua “tornar-se-ia quase impossível”.
Recordando que o AfD conquistou pela primeira vez, no verão deste ano, postos de poder a nível local – em junho elegeu pela primeira vez um chefe da administração local, na comarca de Sonneberg, na Turíngia, e em julho elegeu mesmo o primeiro presidente de câmara a tempo inteiro da AfD, numa localidade no estado de Saxónia-Anhalt – o responsável do Conselho de Refugiados da Baviera adverte para o que tal representa para organizações como a sua e para a vida dos refugiados.
“Estes triunfos podem não parecer grande coisa, mas aqueles que trabalham com refugiados e estrangeiros naquela área agora têm um ‘chefe’ que é do AfD, e isso obviamente afeta o seu trabalho e a vida de muitos que lá vivem. Estes pequenos sucessos locais já têm impacto nas pessoas que vivem nestas regiões, por isso nem imagino o que seria a nível federal, até porque as pessoas racistas estariam mais encorajadas a ser mais violentas e discriminatórias. O nosso trabalho tornar-se-ia quase impossível”, alerta.