“EUA estão a tentar lidar com os sintomas da imigração ilegal”
O aumento do fluxo de migrantes que procuram asilo ou entram ilegalmente nos Estados Unidos está a ser gerido de uma forma que não permitirá soluções permanentes no médio prazo, disse à Lusa o professor e analista político Everett Vieira III.
“Neste momento estamos a tentar lidar com os sintomas da imigração ilegal e não com as raízes”, afirmou o docente da Universidade Estadual da Califórnia em Fresno.
“Isto remonta a Reagan e Pete Wilson nos anos oitenta”, afirmou, referindo o ex-presidente Ronald Reagan e o senador republicano da Califórnia que ficou conhecido pelas medidas anti-imigração.
“Antes tínhamos uma política de porta mais ou menos aberta, que permitia a pessoas do México e América Central virem trabalhar temporadas aos Estados Unidos e depois voltarem para casa”.
Isso mudou com a implementação de medidas que dificultaram a entrada e saída de migrantes sazonais em busca de trabalho. “O efeito de fechar a porta de um lado foi fechar do outro também”, disse Everett Vieira.
Quando perceberam que se voltassem para casa poderiam não conseguir reentrar nos EUA para as próximas colheitas, os trabalhadores de países como México, Guatemala ou El Salvador começaram a permanecer ilegalmente no país.
“Fechámos a porta a pensar que íamos trancar as pessoas do lado de fora, mas o que fizemos foi fechá-las cá dentro”, considerou Vieira. “É uma causa mais que um sintoma”.
A situação tem-se agravado com a deterioração política e social da Venezuela e do Equador, que não foram tradicionalmente países de migração para os Estados Unidos.
Everett Vieira, especializado em política da América Latina, tem uma visão “muito pessimista” para o futuro próximo destes dois países, prevendo que continuará a haver um aumento de migrantes a quererem escapar de lá para os Estados Unidos.
A abordagem menos draconiana de Joe Biden, em comparação com Donald Trump, também estará a contribuir para que mais migrantes se arrisquem na travessia.
No entanto, não há previsão de uma reforma do sistema de imigração que permita resolver os problemas que têm assoberbado a patrulha da fronteira sul – centenas de milhares de pessoas a tentarem atravessar ilegalmente e dezenas de milhares com pedidos de asilo.
“Não vai acontecer num horizonte visível”, vaticinou Everett Vieira. “É um tema complicado e não há solução mágica para ele”.
O facto de a imigração se ter tornado um tema central da política norte-americana contribui de forma decisiva para o impasse na sua resolução.
“Isto está a ser usado como uma bola de futebol política”, descreveu o analista. “É uma tática, uma ferramenta”, usada por várias partes interessadas, que será um dos principais temas das campanhas presidenciais de 2024, previsivelmente entre Joe Biden e Donald Trump.
Tal reflete-se no atual impasse sobre um pacote de ajuda à Ucrânia e Israel em que os senadores democratas aceitaram concessões para endurecer as políticas na fronteira. O líder republicano da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, disse que o pacote estaria “morto à chegada” depois de Donald Trump ter pedido para que não fosse aprovado, de forma a não dar uma vitória política aos democratas em ano de eleição.
“É um jogo para ver quem cede primeiro”, comparou Everett Vieira. “Se os republicanos estão mesmo importados com a fronteira, aprovarão o pacote. Vão estancar a entrada de imigrantes, mas dar aos democratas uma vitória”.
Para os democratas, há um equilíbrio a fazer entre as medidas pró imigrantes que a base progressista quer e a gestão de uma situação que atingiu proporções históricas em dezembro de 2023, ultrapassando 300 mil migrantes que interagiram com a patrulha da fronteira.
“Mas em janeiro esse número registou uma queda acentuada, principalmente por causa da ação das autoridades mexicanas”, referiu Vieira.
“O que a administração Biden pode fazer é tentar trabalhar com o Presidente mexicano para gerir não só a fronteira entre os dois países mas as fronteiras sul do México”.
Os dados divulgados pela CBP (Customs and Border Protection) indicam que o número de migrantes a tentarem entrar ilegalmente nos EUA caiu para metade nas duas primeiras semanas de janeiro, graças sobretudo às ações das autoridades mexicanas.