
Acabei de ler com enorme fruição o livro escrito por Filipe Pinhal, que fez toda a sua longa e profícua carreira na banca, terminando-a no início de 2008, após ter vivido um período conturbado de luta pelo poder, como Presidente do BCP.
O título não é meu, é o escolhido pelo autor para o seu livro. Mexendo obviamente com os sentimentos de quem é português, e não concorda que deva ser incluído numa observação de caráter generalizante, sempre injusta, é importante adentrarmo-nos na leitura do livro para entender o ponto de vista do autor e, na esmagadora maioria dos exemplos que narra, e das observações que faz, dar-lhe razão na íntegra.
Uma breve declaração de interesses. Estive uma única vez sentado à mesa ao lado de Filipe Pinhal, pouco tempo depois de se aposentar em 2008, se a memória não me atraiçoa. Foi num aniversário de casamento de um amigo comum, numa belíssima quinta em terras saloias. Homem possuidor de uma cultura invulgar, lido, informado, educadíssimo, excelente conversador. Fiquei com imensa vontade de o rever num ambiente mais propício a uma boa conversa sobre temas de comum interesse que fui descobrindo à medida que o jantar decorria, o que infelizmente nunca mais se proporcionou.
Voltando ao livro, este contém duas partes claramente separadas uma da outra, e um posfácio. Na primeira parte o autor disserta sobre a idiossincrasia do “ser português”, e aponta os responsáveis pelo subdesenvolvimento de Portugal. Nesta fase ainda não “chama os bois pelos nomes”. O título do capítulo I diz tudo: “Um país de gente pequena”. Como o autor afirma na apresentação (prefácio) do livro que antecede o capitulo I: “Pelo seu caráter os portugueses não são do piorio, apenas se contentam com pouco, não são exigentes, não valorizam a qualidade, nem a ordem, nem o progresso. Por isso não falo do todo, falo da parte que nos condena à mediocridade.”
Mais adiante menciona três vícios do “ser português”, que conduzem diretamente a esta mediocridade: o nivelamento por baixo, a reverência ao poder, e a subalternização ao estrangeiro, três males que espelham um complexo de inferioridade para o qual o autor não vê remédio. Eu próprio acrescentaria um quarto vício, não despiciendo : a proverbial e endémica inveja, a palavra com que Luis de Camões encerra a sua obra épica escrita há cinco séculos. E um quinto, a superficialidade (ligeireza) com que encaramos temas muito sérios, que não nos permite desenvolver um saudável espírito crítico.
Basta percorrer, como diz Pinhal, a lista de pessoas que o Jornal de Negócios publica anualmente na silly season, numa rubrica chamada “Os mais poderosos”, ou ler a lista de condecorações atribuídas pelos últimos Presidentes da República, em particular o último, para constatar que não há critérios indiscutíveis e universalmente aceites de qualidade, de referência cívica e de espírito crítico.
Nesta parte I Filipe Pinhal descreve magistralmente o que pensa sobre as nossas “elites”, os nossos capitalistas, os nossos trabalhadores, os nossos sindicatos, os nossos partidos políticos, os nossos políticos, as nossas organizações empresariais de cúpula, e como o caldo de cultivo de todo este emaranhado de características sociais, culturais, cívicas e de traços de personalidade intrínsecos destas classes conduziram, após a revolução de Abril de 1974, a um nítido acentuar dos males que nos impedem de progredir.
Pinhal dá muitos exemplos, o que mais me marcou foi o do professor universitário no ISCEF (alma mater de Pinhal), encarregado do recrutamento dos docentes, fazê-lo com base no “grau de adesão aos princípios revolucionários”. A revolução de Abril sendo fundamental para restaurar liberdades, potenciou muito o facilitismo, a superficialidade, a falta de exigência que já de si nos eram e continuam a ser endémicos.
Esta primeira parte do livro, que não irei aprofundar mais, para não retirar interesse à leitura (fascinante) do livro, é o tratado mais completo que li até hoje sobre os fatores que nos impedem de ser um povo progressista, organizado, exigente, preparado, e voltado para o futuro.
Temos neste livro muito por onde começar a trabalhar e a elaborar programas que nos permitam educar as próximas gerações, permitindo-lhes ser melhores do que a minha e a de Pinhal. A nossa geração, a que já vinha de antes da Revolução de 1974 (eu nasci em 1955), não aproveitou a liberdade, e o dinheiro a rodos que entrou da Europa, para criar uma democracia madura, responsável e bem preparada. E se dúvidas persistissem, bastaria seguir os debates parlamentares dos últimos anos, em particular deste último.
A parte II do livro (“Portugueses do piorio que deram cabo do BCP”) é dedicada exclusivamente a proporcionar a visão de Pinhal, parte interessada fortemente no tema, sobre os escândalos que envolveram o BCP (hoje Millennium), a partir de 2007/2008. Pinhal introduz de forma brilhante, na descrição que faz do que ele define como assalto irresponsável ao BCP, as “Leis Fundamentais da Estupidez Humana” de Carlo Cipolla. Há dois princípios que Pinhal usa para descrever o que foi o caso BCP na ótica dele :
– “Se pecares, peca contra Deus, nunca contra a estupidez. Deus perdoa, a estupidez jamais!”
– “As pessoas que não são estúpidas tendem a cometer o erro de subavaliar o potencial destrutivo dos estúpidos.”
Este segundo capitulo do livro é fundamental para entender o período mais negro da nossa história económico-financeira neste século XXI, em que houve um conluio de poderes estranhos (um primeiro-ministro, um banqueiro DDT, uns banqueiros títeres de um partido, uns empresários sem escrúpulos arregimentados para jogarem o joguinho perverso que os que detinham o poder nessa altura queriam implementar), com a finalidade de ficarem donos exclusivos dos principais vetores na economia, na finança, e nos média. O plano falhou, a estupidez humana (Aleluia ) ajudou.
Pinhal obviamente apresenta a sua tese sobre o ocorrido. Há quem não concorde. Um ex-colega de Pinhal na Administração do BCP, António Castro Henriques, que ficou em lado distinto da barricada no caso BCP, escreveu uma “carta aberta” após a publicação do livro, em que acusa Pinhal de o ter escrito como tentativa de desinformação e de vitimização.
Se eu tivesse de tomar partido, ficaria claramente do lado de Pinhal. Castro Henriques esgrime argumentos superficiais, mas nada apresenta em suporte do que escreve. O livro de Pinhal está profusamente enriquecido com indicações documentais e datas precisas de tudo aquilo que ele afirma.
No final desta segunda parte, e antes do posfácio com que Pinhal encerra o livro, o autor apresenta uma respeitável lista com dezenas de nomes daqueles portugueses que, derivado de tudo aquilo que apresentou no livro, ele considera como sendo portugueses do piorio. Essa lista é encabeçada por José Sócrates… Desafio o paciente leitor a adquirir o livro, e ver se o seu nome lá está. Eu safei-me ! Mas estão lá muitos daqueles que o Jornal de Negócios colocou na lista dos “poderosos“ durante a silly season anual, e muitos outros que foram condecorados por relevantes serviços prestados à República das Bananas, perdão, da Nação.
Um livro imperdível, uma leitura indispensável para entender a verdadeira alma lusa, e o que nos impede de ser o melhor país do mundo. O que só seremos quando além daquilo que de bom e único temos, as belezas naturais, o clima, a gastronomia ímpar, passemos a ter as características individuais que nos permitam ser gente preparada, rigorosa, séria, exigente e voltada para o futuro. É possível sê-lo, e ser felizes. Aliás, é conditie sine qua non para o ser.
José António de Sousa